O “orçamento secreto” e as emendas parlamentares tomaram o noticiário nas últimas semanas. Apesar de amplamente discutido, está claro que ainda são conceitos muito vagos para a grande maioria da população. E pior, muito pouco ou quase nada foi falado sobre o lado mais grave destes mecanismos: a obscena interferência eleitoral.
Em uma democracia forte, é legítima a preocupação em relação à igualdade frente ao processo eleitoral. As eleições são o momento mais importante de consolidação da escolha dos representantes, e garantir que todos os postulantes tenham a mesma oportunidade de expor suas ideias e se tornarem conhecidos pela população é fundamental à isonomia da melhor escolha do voto.
Infelizmente, mesmo apesar de esforços por vezes insustentáveis do sistema eleitoral com regrinhas insanas, estamos longe da equidade. E aqui não falo do financiamento de campanha, assunto que sempre aparece quando se discute eleições justas. E nem da injustiça de dinheiro público de financiamento (do qual sou favorável, diga-se de passagem) ser definido de forma privada dentro dos partidos. Muito menos do valor destinado a estas campanhas que merecem a atenção e o balizamento da sociedade.
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Falo da disparidade abissal que o processo de emendas orçamentárias proporciona eleitoralmente para parlamentares em todos os níveis.
Dentre as muitas distorções do nosso regime republicano, as emendas orçamentárias são uma das mais nocivas. Funciona assim: o parlamentar, seja vereador, deputado estadual, federal ou senador, indica uma parte do orçamento para atender uma demanda específica – a construção de uma UBS, o asfalto de uma cidade, a compra de veículos para outra, por exemplo. O governo então executa essa indicação e o parlamentar fica com o mérito. Bingo: constrói-se assim uma base eleitoral.
O argumento a favor defende que os parlamentares têm maior capilaridade e sensibilidade para as demandas nas regiões, podendo destinar os recursos de forma mais assertiva. Uma falácia quando acreditamos em políticas públicas baseadas em dados e evidências, uma vez que o orçamento deveria ser destinado para locais e políticas públicas com maior necessidade e/ou retorno.
Se parássemos por aí esse mecanismo, já seria ruim o suficiente. No entanto, piora. Com uma parte do orçamento livre para atuação discricionária do Poder Executivo e o apetite insaciável dos parlamentares por emendas (ou seja, votos), abre-se espaço para uma negociação espúria de apoio dos parlamentares ao governo nos respectivos plenários. É sim uma forma de compra de votos, com dinheiro público, e que acontece em todas as esferas. E que garante eleições de sucesso.
Mas ainda piora: é uma ferramenta com margem de corrupção enorme já que o parlamentar, ao indicar a emenda, pode amarrar com determinado fornecedor, realizar negociatas, superfaturar e desviar dinheiro público. Acontece com menor frequência, claro, mas acontece.
As emendas impositivas, que existem no Congresso Nacional e em várias casas legislativas do Brasil, são um valor destinado a todos os parlamentares, seja de oposição ou base do governo, teoricamente nivelando com justiça o acesso a este mecanismo de representatividade. Na verdade, isso serve apenas para legitimar a ferramenta com que as negociações acima mencionadas cresçam desproporcionalmente para quem é da base do governo com ar de ação legítima.
O impacto desta ferramenta no desenvolvimento do país não está mensurado. Com certeza, é gigantesco na perspectiva de que recursos aplicados poderiam ser mais eficientes, assim como poderia haver menos corrupção. Mas é o custo da qualidade democrática o mais relevante.
A construção de base eleitoral por meio de emendas é tão significativa em nossas eleições que é possível ver rapidamente em qualquer jornal de cidades pequenas do país o destaque que um parlamentar recebe ao destinar uma emenda. Outdoors de agradecimento ao parlamentar pela graça alcançada (com dinheiro público) são comuns. A eleição construída em cima das figuras que “ajudam nosso bairro ou nossa cidade” são ampla maioria e a diferenciação do papel do Legislativo com o Executivo simplesmente desaparece.
Hoje existe um incompetente e amplo grupo de parlamentares que vive única e exclusivamente de articular e executar emendas orçamentárias. Não atua em seu papel Legislativo, não discute projetos de lei e nem honra seu cargo.
A qualidade da nossa democracia e a justiça do sistema eleitoral depende urgentemente de discutirmos emendas orçamentárias parlamentares com mais detalhes e coragem. É urgente.
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