Juliana Simões e Maurem Alves *
O ano de 2024 será decisivo para avançarmos no conceito e na agenda da bioeconomia no Brasil, que contribuirá para a redução de desigualdades sociais, geração de emprego e renda, conservação e uso sustentável da biodiversidade e das florestas. A bioeconomia pode oferecer alternativas para uma transição para modelos regenerativos de produção de alimentos, que contribuam para conservação dos solos e combate às mudanças climáticas. Novos negócios podem surgir, com impactos positivos sobre o bem-estar das pessoas e da natureza. Nesse sentido, há importantes discussões em andamento, tanto no contexto nacional como no global.
No cenário internacional, por exemplo, o Brasil assumiu em dezembro a presidência do G20 (grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia) e tem a bioeconomia como uma das iniciativas-chave, por entendê-la como um caminho para a inclusão social e geração de empregos.
No contexto nacional, esse tema já vem sendo debatido pelo setor privado e pela sociedade civil há alguns anos e, recentemente, as discussões têm sido ampliadas nas esferas do governo federal e dos governos subnacionais e no Legislativo. Porém, ainda de forma fragmentada e setorizada.
A boa notícia é que no ano que vem o governo federal iniciará a construção da Política Nacional de Bioeconomia e do Plano Nacional de Bioeconomia. Dentre as diversas iniciativas que serão propostas, uma das mais esperadas é a criação da governança da política nacional, capaz de coordenar a ação dos governos e dos atores interessados.
É hora, portanto, de conectar as agendas específicas para que a bioeconomia tenha seu potencial realizado e faça sentido para todos, incluindo as populações mais vulneráveis, os povos originários, as comunidades tradicionais e os agricultores familiares, sem deixar de contemplar o potencial da agricultura sustentável e da silvicultura.
PublicidadePorém, é fundamental construir um conceito de bioeconomia para o Brasil que esteja alinhado às realidades das regiões e vocações dos biomas brasileiros, que seja inclusivo e capaz de orientar todos os setores na transição para um modelo econômico mais sustentável.
Apesar de seu enorme potencial produtivo de alimentos e da sua megabiodiversidade, o país encara desafios para a conservação de seus ecossistemas, como o enfrentamento do desmatamento e da degradação ambiental, e o combate à fome e às desigualdades.
Assim, a bioeconomia no país deve ser uma atividade que concilie as interseções entre agricultura, pecuária e florestas, buscando escalar sistemas produtivos regenerativos e sustentáveis, que promovam restauração de paisagens, regeneração do solo, conservação de biodiversidade, valoração dos serviços ecossistêmicos e eficiência agropecuária. Tudo isso respeitando os direitos dos povos originários e tradicionais, reduzindo desigualdades e gerando renda no campo no médio e longo prazo.
Neste sentido, é importante que a Política Nacional de Bioeconomia estabeleça sistemas de gestão e governança participativos, estruture informações e crie mecanismos de financiamento necessários à sua implementação e que promova o uso sustentável da biodiversidade, a repartição justa de benefícios, a geração de empregos e o desenvolvimento de mercados para os produtos da sociobioeconomia com maior valor agregado.
Já existem programas e projetos em andamento e que podem ser acelerados, como o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI) da Bioeconomia, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em conjunto com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, com foco na implementação do Observatório Brasileiro de Bioeconomia (OBio), e o Comitê Nacional Prioritário de Bioeconomia (PPBio), que são experiências-piloto de políticas públicas voltadas à bioeconomia. A regulamentação da Lei do Patrimônio Genético (Lei nº 13.123/2015) e o fomento a cursos técnicos e superiores que atendam às demandas das cadeias da sociobioeconomia são outros elementos que podem impulsionar a atividade.
Neste mês, foi publicada pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) a Estratégia Nacional de Bioeconomia e Desenvolvimento Regional Sustentável (BioRegio), que incorporou grande parte das sugestões encaminhadas pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, via consulta pública realizada em junho.
Essa iniciativa pode contribuir para a consolidação de uma política nacional sobre bioeconomia ao colocar esse tema como uma agenda estratégica e central para o desenvolvimento regional do país. No entanto, é importante que se promovam diálogos regionais sobre o tema, a fim de impulsionar uma ação coordenada na implementação da BioRegio, e que a estratégia esteja articulada a outras iniciativas em curso, como o Plano de Transformação Ecológica, lançado pelo governo federal em agosto.
No Congresso, é importante também acompanhar a tramitação do Projeto de Lei nº 1855/2022, que institui a Política Nacional para o Desenvolvimento da Economia da Biodiversidade (PNDEB). É um instrumento relevante para a promoção de atividades econômicas derivadas de sistemas florestais e agroflorestais, mas pode passar por aprimoramentos no que se refere às cadeias da sociobiodiversidade, que são foco prioritário da iniciativa, incluindo fontes de financiamento.
Há ainda o Projeto de Lei Complementar 150/2022, que institui a Política Nacional de Bioeconomia, que está desde junho na Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, aguardando um parecer na Câmara dos Deputados.
O Brasil tem tudo para liderar a agenda da bioeconomia e inspirar outras nações a fazerem o mesmo. Para isso, precisa aterrissar planos e estratégias nacionais, por meio de políticas e programas bem coordenados e que respeitem a diversidade de biomas e contextos socioculturais do território nacional. A partir do desenvolvimento deste cenário, organizações, empresas e produtores cientes do potencial da bioeconomia terão possibilidades de amplificar esforços e resultados.
Os desafios são significativos, mas 2024 pode ser um ano para avançarmos para uma economia de baixa emissão de carbono em harmonia com a conservação da biodiversidade e inclusão social.
* Juliana Simões é gerente adjunta de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais na The Nature Conservancy (TNC) Brasil e colíder da Força-Tarefa de Bioeconomia da Coalizão Brasil.
Maurem Alves é consultora de Sustentabilidade da Klabin e membro do Grupo Executivo da Coalizão Brasil.
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