Quadro histórico do PSDB, partido que presidiu nacionalmente e liderou na Câmara em quatro de seus cinco mandatos, o ex-deputado e atual suplente de senador José Aníbal (PSDB-SP) é conhecido por ser implacável nas críticas que dispara contra seus adversários políticos. Estejam eles dentro ou fora do seu partido. O seu “inimigo preferencial” hoje atende pelo nome de João Doria, governador paulista e pré-candidato tucano à Presidência da República, a quem acusa de levar ao precipício o partido que governou o país por oitos anos, entre 1995 e 2002.
Passados quatro meses da eleição interna, Aníbal ainda não digeriu a vitória de Doria sobre Eduardo Leite nas prévias do PSDB. “Ele gastou uma fortuna para fazer ‘mise-en-scéne’ em aeroportos, fez aquele jogo sórdido de pressão, de contrapressão e ameaças. É um horror esse cara. Ele é o ovo da serpente dentro do PSDB. Ganhou as prévias, mas não levou”, disse o suplente do senador José Serra ao Congresso em Foco.
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Apoiador de Eduardo Leite, Aníbal diz que a vitória de Doria “chocou” quem acompanhava o processo internamente e percebia o desempenho superior do governador gaúcho, o que motivou, em sua avaliação, suspeitas sobre a lisura das prévias. “Em São Paulo ele ameaçou todo mundo. Apesar disso, o Eduardo teve desempenho excelente. O Doria é candidato há três anos e só cresce nas pesquisas no quesito rejeição. Ele é um marqueteiro, um marqueteiro ‘over'”, classifica. “A candidatura de Eduardo reestruturaria o partido”, lamenta.
Aliado defende Doria
Defensor de um nome que rompa com a polarização entre Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT), José Aníbal considera que o colega de partido não tem chance de vitória e admite deixar o PSDB após 33 anos de filiação, após breves passagens por MDB e PT. “Qualquer candidatura associada ao Doria é mortal. No Nordeste ele é praticamente traço. Com ele, é tudo fake, e as pessoas estão percebendo isso”, critica. Doria e Aníbal já se enfrentaram em prévias duas vezes. O governador ganhou nas duas oportunidades, quando foi escolhido candidato a prefeito da capital paulista, em 2016, e como o nome da legenda para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes, em 2018.
Aníbal também ataca a gestão de Doria como governador. Diz que o tucano ignorou a política social, não fez os investimentos que deveria ter feito em áreas de risco, para atender a população mais pobre, e não conseguiu concluir as obras do Rodoanel, iniciadas por Geraldo Alckmin. “Infelizmente hoje essa é a cara do PSDB aqui em São Paulo. É o prenúncio de um desastre. O partido que teve Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin no governo, agora tem como candidato Rodrigo Garcia, que foi do PFL e do DEM a vida toda.”
Procurado pelo Congresso em Foco para comentar as declarações do colega de partido, João Doria indicou o presidente estadual da sigla em São Paulo, Marco Vinholi, para se manifestar sobre o assunto. “O senador José Aníbal tem problema pessoal com Doria. Suas críticas não são de ordem política. Quando perdeu para Doria em 2016 e em 2018, ele também questionou as prévias e deu as mesmas declarações. Isso demonstra que ele não superou as duas derrotas”, disse Vinholi, que é secretário estadual de Desenvolvimento Regional. Segundo ele, o PSDB está fechado com a candidatura de Doria à Presidência. “Tivemos prévias com ampla participação dos filiados. A maioria optou por João Doria. Eduardo Leite tem história importante no partido. Espero que ele fique e tenha papel relevante nas eleições”, afirmou o dirigente partidário e secretário estadual.
Alckmin e Eduardo Leite
Para José Aníbal, o governador gaúcho tem bons argumentos para justificar sua troca de legenda para se candidatar ao Planalto pelo PSD, além de boas chances de “furar a bolha da polarização” entre Lula e Bolsonaro. “Se ele for por esse caminho, não tiro a razão dele. Eduardo tem um bom discurso e boas práticas. Fez uma das melhores reformas previdenciárias do Brasil e uma convergência básica no estado sem monetizar a relação do Executivo com o Parlamento”, avalia o ex-deputado.
A expectativa no meio político é de que Eduardo Leite aceite nos próximos dias o convite feito pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, para voltar à corrida presidencial. Se isso ocorrer, descumprirá o compromisso que havia assumido durante as prévias de que não deixaria o PSDB caso fosse derrotado e que apoiaria Doria.
José Aníbal evita criticar a decisão do ex-governador Geraldo Alckmin – a caminho do PSB após mais de 30 anos de PSDB – de se candidatar a vice na chapa encabeçada pelo petista Lula. Mas não indica que apoiará o ex-tucano, de quem foi secretário estadual. “Ele não me perguntou se eu apoiava ou não a decisão. Recebi-a como um fato. Os fatos são esses e não adianta brigar com eles. É um bom acordo para o Lula, por isso ele insistiu tanto”, considera.
“Geraldo tem voto de prestígio, foi eleito governador três vezes. Mas eu, pessoalmente, sigo defendendo a terceira via”, ressalta, ao se recusar a responder em quem votaria em um eventual segundo turno, entre o atual e o ex-presidente da República. “Seria admitir que a terceira via não tem chance.”
Aníbal declarou voto em Fernando Haddad no segundo turno em 2018, fugindo da posição de neutralidade da legenda após o desempenho pífio de Alckmin no primeiro turno. Ele, que exerceu o mandato no Senado em agosto de 2021 e janeiro de 2022, com a licença médica de José Serra, entende que o cenário hoje é mais tenebroso do que era há quatro anos.
Para o tucano, os vícios da relação do Congresso com o governo Bolsonaro são piores do que eram na época dos governos do PT. “O Centrão, assim como o mensalão e o petrolão, conspira contra o país, não é capaz de fazer o que o Brasil deveria fazer”, observa.
Aqui, mais uma vez, Aníbal descarrega sua artilharia contra Doria. “Ele ganhou a eleição por causa do ‘Bolsodoria’. Ele foi atrás do cara que é a principal razão da desagregação do Brasil hoje, dessa tensão, dessa política de ódio, de amargura. Ele contribuiu para isso fortemente. Percebemos que a polarização estava levando nossos eleitores juntos. E tivemos resultados pífios em 2018. As bancadas do PSDB se fragilizaram muito. Ficaram muito aleatórias. Votam muito com o governo. O Doria foi o ovo da serpente do partido”, analisa. Há saída para o partido? “Tem de ver o que sobra depois da eleição”, responde.
Impeachment de Dilma
Em 2016, durante a votação do processo de impeachment no Senado, Aníbal e a ex-presidente Dilma Rousseff protagonizaram um momento de tensão entre ex-velhos amigos. Na juventude, em Belo Horizonte, os dois foram companheiros de guerrilha como membros da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), um dos grupos de esquerda de combate à ditadura militar.
Também ocupando a cadeira na suplência de Serra – que àquela altura era ministro das Relações Exteriores do então presidente interino Michel Temer -, Aníbal disse que a amiga não tinha condições de governar. A petista retrucou que estava “estarrecida” com a condenação feita antes da hora pelo então senador e cobrou que ele a julgasse com imparcialidade.
Seis anos após o impeachment, Aníbal afirma que não se arrependeu do voto que deu contra a ex-companheira de guerrilha. “Não tenho dúvida de que foi a melhor solução, porque o governo Dilma já tinha acabado. As próprias alianças políticas que o PT fez com base no mensalão e no petrolão começaram a sentir que a situação era irreversível. O PSDB não tinha como ficar fora. O PT jogou muito pesado contra a Marina na eleição”, afirma. Dizer que foi golpe, ressalta, é ‘bobagem, autocomiseração e autopenitência”. “Não houve golpe. Tudo foi feito dentro do rito constitucional. Lamento profundamente”, acrescenta.
Aníbal disse ainda ao Congresso em Foco que deve anunciar nos próximos dias seu futuro político: se troca de partido e se vai concorrer a algum cargo eletivo em outubro. Qualquer que seja a decisão, Doria não deverá ter o seu voto.
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