Em 26 de abril deste ano, o ex-presidente Lula, pré-candidato do PT à Presidência, em entrevista a youtubers, abriu de vez a porta da religião na pré-campanha. Ele afirmou, categoricamente, que o presidente Jair Bolsonaro (PL), seu maior adversário até o momento, “não acreditava em Deus”. A entrada do petista na batalha do voto evangélico – fazendo uma analogia à bíblia, quase uma disputa como a de Davi contra Golias – não será tarefa fácil.
Longe do poder e sem a capacidade de negociar cargos e benesses, o PT não pretende procurar os pastores das “grandes igrejas” – o partido contabilizou 24. Esse ainda não é o momento, avalia. A legenda está seguindo outro caminho, fazendo um “trabalho de formiguinha” buscando diálogo direto com os eleitores cristãos e se aproximando das pequenas e médias congregações. Para essa missão, acredite, foi escalado o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, amigo de longa data do pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), parlamentar bolsonarista de carteirinha.
O pastor Paulo Marcelo disse em conversa com o Congresso em Foco que um das estratégias são os cafés da manhã realizados com lideranças evangélicas. “No final do mês nós teremos um café com pastores em São Paulo. Lula quer falar com o povo evangélico e com isso eu estou fazendo um cadastro de milhares de líderes evangélicos que são pequenos, de ministérios independentes. Só em São Paulo tem 1 milhão de CNPJs de igrejas independentes”, disse o religioso, que ganhou o status de coordenador de Lula com o segmento.
O pastor Paulo Marcelo é da Igreja Assembleia de Deus e já está na expectativa de contar com o apoio do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), vice de Lula na chapa presidencial, na interlocução com religiosos. O ex-tucano deverá estar no café da manhã seguinte e será convidado à “dar uma palavra”. Alckmin tem uma boa inserção entre os conservadores do estado, e, católico, comunga de pautas de comportamento com os evangélicos.
“Eu conversei muito com o ex-presidente Lula sobre essas pautas (de valores morais para os evangélicos). O que ele pensa não é nada diferente. Agora, na esquerda tem quem pense diferente”, comentou o pastor. “A vinda de Alckmin é um aceno. O problema hoje é a ignorância das pessoas: de achar que um presidente toma uma decisão sobre o aborto [Lula se posicionou sobre a questão tratando como de saúde pública]. [Essa decisão de legalização] Passa por Congresso, STF… e se passar pelo presidente. Lula nunca foi de extremo-esquerda, sempre foi centro”.
O trabalho do pastor Marcelo começou no final do ano passado. As questões internas do PT – como a mudanças na equipe de comunicação da pré-campanha de Lula – atrasaram produções como a de um podcast que ele produzia e distribuía entre os evangélicos. Tudo deve ser retomado, garante.
“Eu fui novamente convidado a reiniciar o projeto do podcast para levar os entrevistados e fazer a desconstrução das pautas de costumes e viajar ao Brasil montando núcleos novos, que o PT não conversa. O próprio Lula me disse que foi um erro perder esse contato com os evangélicos. E que ele, em um eventual governo, não quer perder essa ponte e ter a conversa que ele tinha no passado”.
Os projetos do pastor aliado a Lula não param. Ele é cotado a concorrer à uma vaga na Câmara dos Deputados por São Paulo pelo Solidariedade nestas eleições. Lula deseja ter, em um eventual novo governo, aliados cristãos dentro do Congresso. O pastor revela que já foi sondado por aliados do ex-presidente, mas que ainda deve bater o martelo após uma conversa com Lula, Alckmin e Paulinho da Força, presidente de seu partido.
“[Os bolsonaristas] Conseguiram colocar as igrejas dentro de grupos de WhatsApp, tirando ela das grandes mídias, por exemplo, Globolixo [em referência à Rede Globo]. Não se assiste TV, não se lê um um jornal impresso, um portal de notícias. Parte dos evangélicos ficou dentro de uma bolha”, comentou. “[O evangélico] Quando vê a realidade agora, é uma realidade econômica: falta comida, falta emprego e esse clima que o país está todo dia flertando com o golpe”, diz o pastor, revelando como será o discurso de reconquista.
Geraldo Alckmin pode ajudar na reaproximação
O doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e editor do Observatório Evangélico, Vinícius do Vale, diz que o afastamento do PT com o segmento evangélico também foi motivado pela crise econômica no governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) nos anos de 2025 e 2016.
“Inicialmente, tinha uma motivação econômica, e, posteriormente o discurso ideológico. Há um êxito do discurso ideológico e há também uma cooptação de pastores. A gente viu o caso do MEC, mostrando inclusive a partir de práticas ilegais. Há uma cooptação [do governo atual] de líderes atuando nesse sentido”, comentou o pesquisador.
Para ele, apesar da forte presença entre o eleitorado evangélico e defender pautas conservadoras, o desempenho de Bolsonaro entre esse público será menor. Porém, o pesquisador defende que o então candidato a vice na chapa presidencial de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), pode desempenhar um papel importante.
“Quando a gente vai ver os apoios dos evangélicos a candidaturas majoritárias, eles não estão beneficiando só evangélicos, eles estão privilegiando candidatos conservadores que assumem compromissos com a pauta ideológica evangélica”, defende Vinícius. “Geraldo Alckmin se enquadra nesse perfil, ele tem uma aceitação boa na Assembleia de Deus, ministério Belém, que sempre foi anti-lulista. Alckmin pode ajudar nessa reaproximação”.
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