Aos olhos dos seus eleitores, elas são ardorosas defensoras da família, dos valores religiosos e dos bons costumes. Aos olhos de seus detratores, porém, têm sido chamadas de prostitutas, de carreiristas e de corruptas e protagonizam uma das mais agressivas e violentas campanhas eleitorais do país, com o uso pesado de vídeos apócrifos e acusações anônimas sem sustentação.
Ex-ministras do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves, que comandou a pasta da Mulher, e Flávia Arruda, ex-chefe da Secretaria de Governo, dividem os votos conservadores na disputa pelo Senado no Distrito Federal. Damares é candidata pelo Republicanos, e Flávia Arruda pelo PL. As duas reivindicam o apoio de Bolsonaro. Em uma unidade da federação na qual a preferência do eleitor tem apontado para Bolsonaro como candidato favorito à Presidência, Damares e Flávia dividem a maioria dos votos dos eleitores, numa disputa forte e muitas vezes abaixo da linha da cintura.
Circula pelas redes sociais um vídeo apócrifo no qual um robô com voz feminina faz pesados ataques a Flávia Arruda. Como a autoria do vídeo é anônima e sua autoria não pode ser identificada, por razões legais, o Congresso em Foco não irá divulgá-lo. “Bonitinha, mas ordinária”, diz a robô no início do vídeo. Para dificultar a identificação, utilizou-se para a narração uma ferramenta de produção de áudio semelhante ao que se usa em aplicativos de localização, como GPS ou Waze. A voz monocórdia vai desfiando ataques a Flávia Arruda. “A candidata ao Senado que se apresenta levantando como principal bandeira o seio familiar na verdade é o avesso do que prega”.
O vídeo segue colocando Flávia Arruda como alguém que só teria ascendido na carreira política por ser mulher do ex-governador José Roberto Arruda, candidato a deputado federal. E chega a insinuar a existência de amantes e outras controvérsias. Ao final, a robô tece elogios a Damares, a adversária de Flávia, que é apoiada pela primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A assessoria de Damares nega veementemente a autoria do vídeo com ataques a Flávia Arruda e elogios a ela própria. Atribui a sua produção a algum ativista mais agressivo e radical, sem a sua autorização e, inclusive, segundo a assessoria, com repúdio à estratégia.
Mas Damares, então, reage atribuindo, aí em vídeo com autoria comprovada e tendo a própria candidata do Republicanos como protagonista, o mesmo tipo de ataque contra ela. O vídeo foi gravado na noite do último domingo (25). “As raposas políticas do DF não param”, começa Damares. Ela não fez referência direta a ninguém especificamente, mas cita “o marido de uma candidata”. Indiretamente, seu alvo parece ser José Roberto Arruda. Segundo ela diz, estaria circulando um outro vídeo em que se teria editado um trecho de uma fala dela em sua igreja, a Igreja Batista Lagoinha, em que ela estimularia a “masturbação de bebês”.
Publicidade“O marido de uma candidata ontem parou um carro na rua, que estava com um adesivo meu, e novamente gritou no meio da rua que eu sou prostituta, que eu sou vadia e ainda que eu sou amante de homem casado”, afirma ela.
“E falam que eu não conheço Brasília. Conheço muito bem. Sei onde ficam as cidades satélites, o entorno. Mas sei também onde fica a Papuda, tá?”. José Roberto Arruda foi condenado e preso por envolvimento com denúncias de corrupção levantadas pela Operação Caixa de Pandora. A candidatura de Arruda a deputado federal só foi aprovada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF) no início deste mês de setembro.
Veja o vídeo de Damares:
“Jogo sujo impossível de conter”
Na quinta e na sexta-feira (29 e 30), em um hotel de Brasília, os observadores internacionais que vieram ao Brasil acompanhar as eleições iniciarão um seminário e um ciclo de debates para discutir os desafios da corrida eleitoral brasileira e do mundo nos novos tempos de fake news e novas ferramentas distribuídas pelas redes sociais. O cientista político André Cesar, da Hold Assessoria, será um dos debatedores. O vídeo contra Flávia Arruda que circula em grupos de whatsapp mostra que, apesar de todos os esforços da Justiça Eleitoral, não é, porém, totalmente possível coibir tais abusos.
“É praticamente impossível identificar quem de fato é o autor de um vídeo como esse e poder tomar alguma providência para que ele deixe de circular e seus responsáveis sejam punidos”, avalia André. “Muito demandada, a Justiça Eleitoral faz o que pode, mas não consegue evitar tudo”.
“Ao mesmo tempo em que a Justiça Eleitoral se aperfeiçoa por um lado para coibir, por outro lado também vai se desenvolvendo a tecnologia”, observa André. “Essa turma saiu do armário. Ela pode até ser uma minoria, mas não tem limites e tem forte militância digital. Vamos ter que aprender a conviver com ela”.
Do ponto de vista eleitoral, André Cesar não acredita que a briga figadal entre Flávia Arruda e Damares chegue a criar uma situação tal que uma anule a outra e beneficie algum outro candidato. “Pelas pesquisas, uma tira voto da outra, mas é entre elas que está mesmo a disputa”, avalia. De acordo com a última pesquisa do Ipec, divulgada nesta quarta-feira (27), Damares subiu e empatou com Flávia, que aparecia até recentemente com boa folga. Cada uma delas tem 28% das intenções de voto. Em 15 de agosto, Flávia tinha 36% e Damares, 15%
De acordo com o Ipec, Bolsonaro lidera no DF com 39% e Lula tem 31%. A pesquisa, porém, mostra que o ex-presidente está se aproximando do atual. Com relação à rodada anterior, Bolsonaro caiu de 42% para 39%. E Lula subiu de 29% para 34%. Antes, a distância de Bolsonaro para Lula era de 13 pontos. Agora é de somente cinco pontos percentuais.
Misoginia nos dois casos
Mulheres ligadas a Bolsonaro, que muitas vezes é acusado de ser machista e misógino, ambas as candidatas reclamam ser agora vítimas de ataques baixos. Damares preserva a própria Flávia. Segundo sua assessoria, as duas têm bom relacionamento dos tempos em que foram ministras. Os ataques, no caso, estariam sendo feitos por apoiadores e por José Roberto Arruda.
Já Flávia afirma que tentam atribuir a ela uma condição subalterna a seu marido que não condiz com sua trajetória como alguém que, rapidamente, conseguiu, eleita deputada, ser primeiro relatora do Orçamento da União e depois ministra. “Eu nem diria que estou sofrendo críticas. O que eu estou sendo é vítima de uma violência política contra a mulher”, protesta Flávia. “De um crime de ofensa à minha honra, à minha família, ao meu marido e às minhas filhas. E esse tipo de ofensa a gente não pode admitir”.
A disputa entre Flávia Arruda e Damares estabeleceu-se a partir do acerto feito por Jair Bolsonaro para obter o apoio do governador Ibaneis Rocha, do MDB, à sua candidatura. Inicialmente, Damares acertava-se para ser a candidata ao Senado na chapa de Ibaneis. No acerto, o governador retirou José Roberto Arruda da disputa pelo governo, evitando, assim, um adversário que poderia ter chances de derrotá-lo. A condição colocada por Arruda, porém, foi que Flávia se tornasse candidata ao Senado, enquanto ele disputaria uma vaga na Câmara. Nesse acerto, Damares seria preterida da sua pretensão. Damares não aceitou e manteve sua candidatura. As duas agora disputam os votos conservadores. E trocam ofensas pesadas.
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