Cristiane Prizibisczki, de ((o))eco *
Darci Alves Pereira, réu confesso, condenado em 1990 a 19 anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes, é o novo presidente do Partido Liberal (PL) de Medicilândia, cidade de cerca de 32 mil habitantes no oeste paraense. Pereira tomou posse no final de janeiro.
Documento obtido por ((o))eco junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que a composição da nova diretoria do PL em Medicilândia foi formalizada na Justiça Eleitoral em 27 de novembro de 2023.
A cerimônia de posse, no entanto, aconteceu somente no dia 26 de janeiro de 2024. O evento, realizado na Câmara de Vereadores da cidade, contou com a presença do deputado estadual Rogério Barra, secretário-executivo do PL no estado do Pará e de quem Darci Alves Pereira é afilhado político.
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Ainda não há informações detalhadas sobre os planos do partido para o cargo majoritário no pleito municipal de 2024. Nas redes, Pereira se apresenta como “pré-candidato a vereador”.
Desde o início de fevereiro ((o)) eco tentava contato com Pereira. No dia 19 de fevereiro, o novo presidente do PL em Medicilândia retornou as mensagens enviadas via aplicativo.
A reportagem perguntou inicialmente apenas como seria sua atuação frente ao PL na cidade do oeste paraense. Darci se negou a falar.
Darci Alves – Por que razão eu preciso falar com você?
((o))eco – Gostaríamos de saber sobre seus planos para Medicilândia. O senhor disse nas redes que gostaria de fazer a diferença por Medicilândia. Como pretende ajudar a cidade? O senhor pretende se candidatar a algum cargo eletivo?
Darci Alves – Vamos deixar para outra ocasião
((o))eco – O senhor não gostaria de conversar com a imprensa?
Darci Alves – Em outro momento
((o))eco informou que o espaço se mantém aberto, caso queira se manifestar.
Vida nova
Darci Alves Pereira se estabeleceu em Medicilândia após cumprir parte da pena pelo assassinato do líder sindicalista, na década de 1990. Na cidade, porém, nem todos o conhecem pelo nome de batismo.
“Em Medicilândia não é todo mundo que sabe que ele é o Darci que matou o Chico Mendes, pra você ter uma ideia. Ele utiliza outro nome, a gente conhece ele por Daniel”, disse uma moradora, que preferiu se manter no anonimato, por receio de represálias.
Segundo a moradora, Darci Alves Pereira, ou “Daniel”, é considerado um cidadão de bem no município e região. “Ele é uma pessoa que todo mundo conhece e respeita muito […] Ele é conhecido por ser um líder na comunidade, por doar dinheiro pra igreja, doar dinheiro para os mais necessitados, é um bom pai, é um bom esposo. É isso o que a comunidade fala”, explicou.
De acordo com ela, os “mais poderosos” sabem do passado de Darci, mas isso não o deprecia. Pelo contrário, diz. “Ele não carrega a alcunha do assassino do Chico Mendes. Do ponto de vista das pessoas daqui, ele é como se fosse um herói. Essa é a narrativa usada, ele é a pessoa que conseguiu matar o cara que estava travando o desenvolvimento.”
Convertido à igreja evangélica há alguns anos, Darci Alves atualmente se apresenta como “Pastor Daniel” e atua na Assembleia de Deus da Última Hora.
Assim como fazia sua família no Acre antes do crime, Darci mantém em Medicilândia uma fazenda produtora de cacau e gado.
“Injustiçados”
Chico Mendes tinha 44 anos quando foi morto com um tiro no peito, em 22 de dezembro de 1988, no quintal de sua casa, em Xapuri (AC). Dois anos depois, em um contexto de forte pressão nacional e internacional pela elucidação do caso, Darci Alves Pereira se entregou à polícia.
Ele confessou o crime em diferentes ocasiões, inclusive diante do Tribunal do Júri de Xapuri, no dia 12 de dezembro de 1990 (Veja vídeo abaixo, em 3’35”). Seis anos depois, Darci mudou sua versão novamente e negou ter cometido o crime, conforme reportou o jornal Folha de S.Paulo, à época.
No dia 15 de dezembro de 1990, Darci Alves Pereira e seu pai, Darly Alves da Silva, foram condenados a 19 anos de prisão, por serem, segundo a Justiça, executor e mandante do crime, respectivamente.
Presos inicialmente na penitenciária Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco (AC), pai e filho fugiram da cadeia em dezembro de 1993 e passaram três anos foragidos.
Eles foram recapturados pela Polícia Federal em 1996 – o pai em Medicilândia (PA) e o filho no noroeste paranaense – e levados para o complexo penitenciário de segurança máxima da Papuda, em Brasília.
Três anos depois, Darly alegou problemas de saúde e conquistou o direito de cumprir sua pena em prisão domiciliar. Darci, por sua vez, foi para o regime semiaberto, por bom comportamento.
A relutância que Darci e seu pai têm em falar com a imprensa não é nova. Em rara entrevista em 2013, Darly Alves da Silva disse se sentir “injustiçado”. “Do que é passado sobre a minha vida, 99% é mentira”, afirmou.
Na ocasião, Darly disse que seu filho deixou o passado para trás. “O Darci é uma pessoa abençoada de Deus e por toda a vida foi uma pessoa direita, nunca brigou com ninguém. Tem uma família muito boa, as filhas dele estão em Brasília estudando Direito. Ele nem fala nisso aí, não dá entrevista, não fala de crime. Para ele isso acabou. Ninguém diz que ele é o homem que falaram que fez aquilo”, comentou, em entrevista ao G1.
Retrato do Congresso
Para a família de Chico Mendes, as recentes notícias vindas de Medicilândia machucam, mas não chegam a causar surpresa. Na segunda-feira, dia 19 de fevereiro, ((o))eco entrou em contato com Angela Mendes, filha mais velha do líder sindical. Ela soube do novo cargo de Darci Alves Pereira pela reportagem.
“Eu já sabia há algum tempo, não muito, poucos meses, da pretensão política do Darci. De toda forma, eu não me surpreendo […] Ter uma pessoa na presidência de um partido como o PL, de extrema direita e que tanto mal causou ao país, cuja família sempre viveu através de ilícitos, para mim é a representação da maioria do Congresso que a gente tem hoje”, diz.
Segundo Angela, Darci é apenas mais um elo da cadeia de atores que se fazem presentes na política nacional atualmente. “Essas criaturas permanecem [no poder] porque usam de várias artimanhas. Quando chegam ao poder, a estratégia é trabalhar pra que a população se mantenha sem acesso à política pública de qualidade, principalmente de educação. Afinal, ter uma educação que forme pensamento crítico e consciência social representa um perigo de ruptura dessa escravidão do voto”, diz.
Para a filha mais velha de Chico Mendes, o fato de Darci ter cumprido pena não o isenta do crime cometido. “Não me surpreende, mas não deixo de ficar triste pela iminência de termos no Congresso ou em qualquer espaço politico mais uma pessoa condenada por um assassinato tão cruel e covarde, declaradamente criminosa (…). Não é porque pagou a sentença que deixou de ser criminosa, isso não o torna inocente”, diz.
Chico Mendes
Chico Mendes nasceu em Xapuri, no seringal Porto Rico, no dia 15 de dezembro de 1944. Seringueiro, sindicalista e ativista político, ele lutou a favor dos seringueiros da Bacia Amazônica, cuja subsistência dependia da preservação da floresta e das seringueiras nativas.
Um de seus principais legados foi a ideia, então considerada revolucionária, da criação de reservas extrativistas, algo que só foi formalmente criado após a morte do sindicalista.
Seu ativismo lhe trouxe reconhecimento internacional, ao mesmo tempo que provocou a ira dos grandes fazendeiros locais. Entre 1987 e 1988, Chico Mendes foi premiado por sua atuação, recebendo o Global 500, da Organização das Nações Unidas (ONU), na Inglaterra, e a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society.
Passados 36 anos de sua morte, Chico Mendes ainda se mantém como símbolo da luta pela preservação da Amazônia.
* Reportagem publicada originalmente pelo site ((o))eco. Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellowship Programme (2011), com o artigo “(Mis)Informed Cities? – The urban level of climate change as reported on the pages of UK prestige press: a case study of the websites of BBC News and the Guardian”. Já trabalhou para veículos como Valor Econômico e revistas da Editora Abril (freelancer) e desde 2007 colabora para ((o))eco. Foi vencedora do Earth Journalism Awards (2009) em três categorias internacionais e do Prêmio Embrapa de Reportagem (2014).
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