Na sexta-feira (8), nosso comentário aqui já girava em torno das preocupações com a escalada de violência, com a escatológica estratégia de grupos bolsonaristas de jogar bombas de fezes contra petistas, importando o que há de pior na Venezuela. O fim de semana, porém, elevou o tom das preocupações. Agora, há na conta da disseminação do ódio um assassinato. O que dizíamos na sexta reforça-se de forma trágica. Qualquer que seja o resultado da eleição em outubro, uma coisa é clara: como no título do western de Sam Peckinpah, o ódio será a herança. Tão cedo não teremos de volta um país pacificado, ele seguirá assim, violentamente polarizado.
Se algumas tristes mortes ocorridas no país já podiam indiretamente ser debitadas na conta da escalada do ódio no país, desta vez a motivação não deixa qualquer dúvida. Quando a vereadora Marielle Franco foi assassinada no Rio de Janeiro, já se sabia que isso era consequência da ascensão e do crescimento do poder das milícias no estado. Milícias que o bolsonarismo há tempos homenageia e infla. Quando mais recentemente o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Don Phillips foram mortos na Amazônia, sabíamos que isso era consequência das tensões ambientais que só aumentaram com o discurso antiecológico do atual governo. Tais casos, é claro, são inaceitáveis. Mas eles, porém, só podiam ser debitados indiretamente ao bolsonarismo, no que o discurso do presidente contribuiu para criar tal ambiente.
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No caso do petista Marcelo Arruda, assassinado neste final de semana, a motivação é clara. Tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, candidato a vice-prefeito pelo partido nas últimas eleições municipais, Marcelo comemorava seu aniversário, no qual fazia uma homenagem a Lula, seu candidato a presidente da República. Quando o agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a sua festa aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”. Para em seguida, atirar no aniversariante e matá-lo.
Agora há, portanto, uma morte trágica a se somar às bombas de fezes, ao ataque ao automóvel do juiz Renato Borelli, que mandou prender o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, além dos assassinatos que já podiam ser indiretamente creditados à escalada do clima de ódio no país.
Na recente entrevista que deu ao Congresso em Foco, a ex-ministra Damares Alves tenta inverter o discurso atribuindo à esquerda atos violentos, lembrando, por exemplo, as invasões de prédios públicos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Ocorre que não há nos atos da esquerda ocorridos no passado a construção clara de um ambiente de contestação de resultados eleitorais. Bolsonaro venceu as eleições em 2018, e ninguém saiu às ruas disposto a contestar violentamente o resultado. Em outros momentos em que presidentes foram eleitos com a oposição das esquerdas, o resultado também foi respeitado.
O que preocupa é a clara construção – aliás feita desde o primeiro momento após as eleições, o que demonstra uma evidente montagem de estratégia nesse sentido – de um ambiente no qual a eleição de outubro só vale se o resultado for a vitória de Bolsonaro, algo que hoje as pesquisas eleitorais não indicam. Um ambiente que vai se agravando à medida que esse cenário de virtual derrota do atual presidente vai se tornando mais provável.
Em 2018, Bolsonaro valia-se da retórica de ódio diante de uma perspectiva de vitória do pleito. Quando ele, em um discurso em que empunhava uma muleta como se fosse uma arma, dizia: “Nós vamos metralhar os petistas”, isso poderia ser uma inadequada metáfora eleitoral. Iria metralhar nas urnas. Agora, com a perspectiva cada vez mais clara, que a metralhada não vai se repetir nas urnas, um inconformado bolsonarista anima-se a levar literalmente a ideia a sério. É preciso agir para que José da Rocha Guaranho seja o único, e não o primeiro.
Veja abaixo o comentário em vídeo:
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