Há uma cena terrível no final do filme “Planeta dos Macacos”, em que o astronauta Leo Davidson volta à Terra, se depara com a Estátua da Liberdade semi-enterrada numa praia e murmura: “Eles fizeram! Eles fizeram!”, referindo-se à guerra nuclear que destruíra o planeta.
A cena tem martelado minha cabeça, numa alegoria imaginária à situação política do país. Claro que seria um exagero estabelecer uma relação direta, já que o momento, apesar de tudo, (ainda) não representa uma situação-limite, pois as instituições estão funcionando, os três poderes estão ativos e o processo eleitoral se desenvolve dentro da normalidade. Mas a imagem funciona, sim, como metáfora de um momento inimaginável depois de tudo pelo que o país passou até o final dos anos 1980, com o término da ditadura militar. A analogia com os anos de chumbo é inevitável, afinal o candidato favorito defende práticas abomináveis como a tortura e não esconde isso de ninguém. Já defendeu o fechamento do Congresso e o regime militar com tal ênfase que chega a negar tenha se tratado de um período ditatorial.
O PT e suas contradições
Mas o quadro pré-eleitoral é de enorme apreensão, retratada por analistas sérios de dentro e de fora do país. Não há qualquer órgão da imprensa livre de mercado de qualquer ponto do planeta que não revele a tensão gerada pelo crescimento assustador da intolerância fascista revelada nas palavras e nos atos do candidato favorito. E isso exibe as profundas contradições em que se enredou o principal partido de esquerda, o PT, que não só combate abertamente a mídia de mercado como ainda não se deu conta da burrice ideológica que o impede de condenar a ação de ditadores ridículos como Nicolás Maduro na Venezuela e de Kim Jong-un na Coréia do Norte, sem falar dos lideres cubanos e sua ditadura mal dissimulada.
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O PT se encontra, neste instante, na dupla condição de responsável maior pelo quadro desastroso em que ajudou a enfiar o país e, ao mesmo tempo, de única solução possível para uma saída democrática que leve o país a se reencontrar com a pacificação de ânimos e a retomada da tradição de respeito aos princípios democráticos que estão em risco.
A arrogância é a marca
PublicidadeJá escrevemos neste espaço e repetimos agora: um dos maiores problemas do PT é a arrogância de seus líderes. Até hoje nenhum deles teve a decência de vir a público reconhecer abertamente os atos de corrupção que o partido cometeu, e que levaram boa parte de sua cúpula aos presídios do país. A mesma arrogância foi a principal responsável pela situação em que o país se encalacrou. Sim, porque diante da situação que se desenhou com clareza desde a condenação de Lula qualquer dirigente político petista sensato e consequente teria convocado uma reunião com os demais líderes do campo da esquerda para fazer uma proposta muito simples e direta: “Ciro, Marina, Boulos, você aí do PSTU, você também do PCO, gente, senta aqui, por favor. Vamos conversar e nos acertar. Desta vez não vai dar pra nós. Vocês estão vendo aí: o homem está preso em Curitiba, não adianta ficar tapando o sol com a peneira, ele não vai mesmo poder sair candidato, portanto vamos fechar aqui um acordo. Um de vocês sai na cabeça da chapa, nós indicamos um vice, vamos nos unir e evitar que o país se meta numa aventura fascista como a que está se desenhando aí”.
Mas, para isso, é claro, o PT tinha de ter a sensatez, a decência, a coragem e a humildade (que nunca teve) para descer do sapato alto e fazer uma proposta dessa ordem. Só assim haveria alguma chance de evitar que o país chegasse à situação atual.
O povo protestou. Mas da forma errada!
A candidatura alternativa não saiu. Nem tinha como sair, ninguém se empenhou pra isso. O povo foi às urnas. E, embalado pelo sentimento anti-petista – semeado pelo próprio PT ao longo dos últimos anos, – manifestou sua insatisfação com os desmandos da classe política como um todo de uma forma muito perigosa. E o país foi jogado à beira de enormes riscos à sua segurança institucional e democrática. Sem esquecer outros ingredientes, claro, como é o caso do crescimento do protagonismo das redes sociais com o jogo imundo das fake news e a desestruturação dos partidos de centro, essenciais à ponderação e vitais para evitar a polarização ideológica.
No final do primeiro turno, o país parou na frente da televisão esperando, mesmo com atraso, um mea culpa e um ato mínimo de confissão de seus erros. Isso era essencial para o início da nova caminhada. Mas o candidato não disse uma palavra nesse sentido. Falou como se a disputa estivesse de igual para igual, quando o Brasil e o mundo sabem que é exatamente o contrário: há uma distância abissal entre o número de votos que recebeu e o que o “coiso” obteve. Basta dizer que, para vencer, Haddad precisa ganhar mais de 20 milhões de votos. Mas só temos 20 dias até a eleição. Ou seja: é preciso ganhar 1 milhão de votos… por dia! Enquanto o outro lado navega num mar de tranquilidade, pois, com 46,03% da votação do primeiro turno no bolso, precisa garantir apenas pouco menos de 4% dos votos pra vestir a faixa e, como se suspeita que vá ocorrer, fascistizar o país.
Não é o PT que está perdendo: é o Brasil
Nem diante da catástrofe iminente, o PT sai do trono de sua arrogância. O detalhe é que, desta vez, não é o PT que está perdendo uma eleição: é o Brasil, suas instituições, sua democracia e seu futuro. Um futuro conquistado a duras penas pelos que sofreram, foram censurados e torturados, pelos que tombaram ou simplesmente foram “desaparecidos” durante o regime dos gorilas. Queira ou não queira, o PT, maior caudatário do renascimento democrático do país, será responsabilizado no futuro pelo que vier a ocorrer.