Visando chegar aos autores intelectuais dos atos golpistas de 8 de janeiro, a CPI dos atos antidemocráticos, que ocorre na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), já conseguiu esclarecer o papel de diversos agentes ao redor dos ataques. Além de identificar envolvimento de diversos indivíduos dentro das instituições de segurança, seu presidente, o deputado distrital Chico Vigilante (PT), conta que os ataques contaram com uma participação vital de manifestantes com registro de caçador, atirador e colecionador (CAC).
Por ser menos exigente que a autorização convencional, o registro de CAC já era utilizado há mais de uma década por pessoas interessadas em adquirir armas de fogo. Uma vez eleito, o ex-presidente Jair Bolsonaro implementou uma série de políticas para flexibilizar ainda mais essa categoria, que além das armas de proteção pessoal, também autoriza a aquisição de armas mais pesadas, como fuzis automáticos, escopetas e submetralhadoras sob a premissa de uso no tiro esportivo.
Convocaram uns aos outros
De acordo com Chico Vigilante, os depoimentos colhidos pela CPI revelam que havia protagonismo direto dos CACs nos movimentos que sucederam as eleições de 2022, exigindo a anulação do pleito em que Bolsonaro foi derrotado. “Eles convocaram uns aos outros até Brasília para tomar o poder”, contou o deputado. Essa presença foi ostensiva, como averiguou o Congresso em Foco ao entrar no acampamento bolsonarista em frente ao quartel-general do Exército.
O deputado também avalia que houve articulação entre os grupos armamentistas do acampamento e parte das forças de segurança do Distrito Federal. “Como que chega um grupo de pessoas armadas afirmando que vão tomar o poder e a segurança pública segue sem tomar nenhuma providência? Isso interessava a alguém”, ponderou. Vigilante considera que a demanda pelo retorno da política armamentista do presidente anterior foi o que atraiu CACs ao movimento.
Conflito sobre sabotagem
Logo no primeiro depoimento da CPI, com o pronunciamento de Fernando Oliveira, ex-secretário de Segurança Pública substituto do DF, Chico Vigilante levantou a hipótese de que o acesso facilitado dos golpistas à Esplanada dos Ministérios se deu por conta de uma ação de sabotagem dentro do comando da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF).
A linha de investigação trabalhada era de que o comandante do Departamento de Operações, coronel Jorge Eduardo Naime, teria negligenciado o planejamento da operação de acompanhamento da manifestação do dia 8 para prejudicar o comandante-geral, coronel Fábio Augusto, e afastá-lo do comando. Em seu depoimento à CPI, porém, Naime negou o intuito de sabotar seu comandante, e afirmou que estava de férias no dia dos ataques.
O relator do colegiado, deputado Hermeto (MDB), considerou que as respostas de Naime à CPI derrubaram a hipótese de sabotagem. Chico Vigilante já não se convenceu, e pretende seguir investigando essa possibilidade. Para ele, os depoimentos seguintes trouxeram novos indícios de que o militar estaria interessado no resultado da operação.
Na última quinta-feira (30), a CPI recebeu o comandante da inteligência do Governo do Distrito Federal. Vigilante considera que seu depoimento foi a principal prova do interesse de Naime. “O serviço de inteligência avisou efetivamente o comando da segurança pública do DF de que, naquela manifestação, ia haver confronto com as forças policiais. Ainda assim, ninguém fez nada. Como que a PMDF sabia e não agiu? Por quê mandou a campo 200 policiais novos, quando o próprio comandante disse que seria necessário muito mais gente?”, questiona.
As férias declaradas pelo coronel Naime, para o deputado, foram uma estratégia dele e do ex-secretário de segurança pública, Anderson Torres, de se livrar da responsabilidade pelo que estava prestes a acontecer. “Eles sabiam de todas as informações que estavam sendo fornecidas pelo serviço de inteligência, mas um foi para os Estados Unidos sem passar o cargo adiante e os dois começaram a apresentar contradições em seus discursos”, relatou.
Forças federais
Vigilante antecipa que o colegiado, além de seguir com as investigações sobre a possibilidade de sabotagem na segurança pública interna do DF, também pretende dar início às investigações relativas aos órgãos federais que possam ter tido agentes com interesse em um golpe: especificamente o Exército e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Os depoimentos da CPI revelaram a postura de parte dos oficiais do Exército de tentar amparar os golpistas, como na tentativa do comando do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), maior batalhão de infantaria do país, de impedir as prisões dos invasores do Palácio do Planalto; bem como na tentativa do general Gustavo Henrique Dutra, ex-comandante militar da 11ª Região Militar, de utilizar sua tropa para impedir as prisões dos manifestantes acampados no quartel-general.
O colegiado já convocou o antigo ministro do GSI, Augusto Heleno, para depor. “O presidente Lula ocupava a cadeira há apenas oito dias, não havia ainda nem tempo para se apoderar do GSI e do BGP. Precisamos saber por que eles não agiram naquele dia. O BGP tinha mais de 2 mil homens, e deixou apenas 20 no teatro de operações. É um ponto que precisa ser aprofundado”, justificou.
O deputado também busca obter respostas de Heleno sobre o motivo da participação de militares das forças armadas alocados no GSI no acampamento golpista em Brasília. Heleno ainda ocupava o comando do gabinete quando os envolvidos foram descobertos, mas ao invés de abrir processo disciplinar, ele determinou apenas a devolução dos agentes às respectivas forças.
Dutra também foi convocado para prestar depoimento. Por outro lado, o presidente da CPI avalia que o papel do Exército se deu a partir de interesses pontuais, e não de uma postura golpista generalizada. “Para mim, está claro, que não o Exército enquanto instituição, mas pessoas dentro do Exército que participaram disso, inclusive o general Dutra”
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