Se o leitor e a leitora, raros certamente, procuram informação de impacto e grandiosidade, já aconselho que abandonem esta coluna. Aqui me aconchego a Rubem Braga, o mestre da crônica, e peço que ele me inspire a conseguir fazer do pequeno e do aparentemente insignificante um encontro e uma descoberta. Não me arvoro a capacidade do brilhante capixaba, mas essas linhas estiradas sobre a tristeza também carregam esperança.
Brasília, uma cidade que me enche de felicidade, vai sendo conspurcada nos detalhes. Sei que há os grandes problemas do mundo, as guerras, a violência, a pobreza, que o clima virou de pernas pro ar e a vida está por um fio, mas é no meu simplório dia a dia que vivo. É nas redondezas de minha casa que minhas coisas acontecem, nas sombras de árvores que conheço e quase batizo com nomes amigos que me refresco nas caminhadas. São nas revoadas de pássaros que fortuitamente vejo que meu encantamento com a natureza voa, no canto das cigarras que a tarde ganha aquela monotonia acolhedora e segura.
Pois bem, na altura da 608 Sul foi instalada uma torre de celular. Sim, todos nós precisamos de telefones que funcionem. Contudo, ao seu lado, para alimentá-la de energia, foi cravado um poste que solta cabos horrendos por sobre a pista. São os primeiros cabos de energia, ou quaisquer outros, que cobrem a L2 Sul.
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– Ficou mais barato cravá-los no céu do que escondê-los sob a terra – imagino um encarregado um pouco poético justificando.
Aquela via na qual eu me desloco diariamente para o trabalho e na qual era possível ver o céu de forma ininterrupta, como uma estrada azul e pura por sobre a avenida, agora ganhou esse horrível adorno, um monumento à ganância.
Reclamar de um cabo cobrindo uma rua pode receber tantas qualificações pejorativas quanto o realismo do leitor ensejar. Afinal, quantas cidades brasileiras não são cobertas de “horrendos” cabos? Mas a L2 Sul não era assim. Havia uma pureza de propósito criada lá em 1960 que agora foi conspurcada, em meados de 2023, pela avareza de economizar com uma obra mal feita.
Há uma empresa de telefonia, que é muita rica e detém a torre de celular. Há também uma empresa distribuidora de energia, que produz enorme faturamento. Números e números fluem pela contabilidade e lá no final há um lucro a ser distribuído aos acionistas. Estes provavelmente estão no exterior, em algum bairro chique de uma cidade cosmopolita. Para eles voam os lucros, mas para nós brasilienses restam amarrados no céu esses cabos que roubaram a virgindade da avenida mais delicada de Brasília.
Não há carinho, não há respeito. A ganância insidiosa sempre se impõe, pois a beleza é frágil. Brasília, a tristeza vem aos pouquinhos.
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