Aline Machado *
Desde 1995 que a chamada reforma política entra e sai da pauta de discussões e votações do Congresso Nacional. Por “reforma política” entende-se uma gama de propostas, desde o fim do financiamento privado (que acabou instituído em parte pelo STF), passando pela fidelidade partidária (editada por meio de resolução do TSE), até mudanças no sistema eleitoral – como o fim da lista aberta e das coligações nas eleições proporcionais. O problema no debate desses temas é que é sempre superficial e fatiado, o que pode acarretar em verdadeiro desastre de engenharia eleitoral para o país (sim, é possível ficar pior do que já é).
Começando pelo fim das coligações: ao contrário do que se pensa, não faz nenhum sentido proibir essas alianças no Brasil. Isso porque elas funcionam muito bem como válvula de escape para um sistema proporcional que, na verdade, é desproporcional. O quociente eleitoral por si só já exclui da disputa aquelas legendas que não atingiram um número mínimo de votos em determinados estados. Ou seja, o quociente já anula milhares de votos, que não vão eleger ninguém. Na prática, é como se o eleitor votasse e seu voto fosse para o lixo.
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O que realmente precisa mudar no Brasil, a classe política nem menciona. A legislação é extremamente permissiva quanto à criação de um partido político. Bastam 0,5% de votos válidos e assinaturas que sequer são conferidas. Assim, chegamos a inacreditáveis 35 partidos registrados no TSE, 28 deles representados no Congresso. No mundo todo, só a vizinha Argentina “ganha” do Brasil no quesito número de legendas. A Ciência Política dispõe de um índice que mede, entre os partidos representados, o número deles com alguma relevância. Esse indicador acusa, para todas as eleições desde o retorno à democracia, que o número de partidos relevantes no Congresso corresponde à metade daqueles representados. Será mesmo que temos tantas ideologias no Brasil que algumas dessas legendas não poderiam se fundir? PSOL, PAN, PHS, PMN, PPS, PRB, PRN, PRP, PSC, PSD, PSL, PSDC, PST, PTC e PV são todos partidos que teriam alguma dificuldade caso adotássemos a cláusula de barreira. Nessa sopa de letrinhas, somente três têm orientação programática: PSOL, PPS e PV.
Outra mudança que poderia ser adotada no sistema eleitoral brasileiro é fechar a lista. Não é que o partido apresente nas eleições uma lista com todos os candidatos aos eleitores. Com tantos candidatos (de fato, fantasmas e laranjas), isso se torna impossível. `Lista´ aberta meramente quer dizer que o eleitor pode votar no partido ou no candidato daquele partido ou coligação – e que não há um ranking a ser seguido na eleição desses candidatos. Ganha quem tiver mais votos dentro do partido ou coligação. Esse sistema enfraquece demais as legendas porque, para ser eleito, um candidato precisa puxar o tapete do colega do mesmo partido (como é um salve-se quem puder, eu preciso ter mais votos do que o meu companheiro de chapa, então, ele é meu rival, e não o político do partido concorrente). Traduzindo: a lista aberta estimula a disputa intrapartidária, e não entre diferentes partidos. Com a adoção da lista fechada e o eleitor votando numa ordem pré-determinada pelo partido político, pelo menos o jogo sujo entre candidatos de um mesmo partido ou coligação teria fim.
A lista fechada também acabaria com a migração de votos entre partidos, dentro da coligação. Assim, o eleitor teria certeza de que seu voto realmente elegeu um candidato do partido no qual ele votou. Hoje, com a lista aberta, o eleitor vota num candidato de esquerda e acaba elegendo outro, de direita.
Não poderia terminar esta coluna sem entrar no tópico financiamento de campanhas. Sempre foi uma tragédia anunciada, mas, como todos os diretamente envolvidos ganhavam com o esquema de caixa 2 e propina, o acordo entre cavalheiros prevalecia e ninguém apontava o dedo para ninguém. Foi preciso o Judiciário, por meio da figura de um juiz, para investigar o caminho do dinheiro entre empreiteiras, partidos e candidatos para furar o esquema. A lei mudou e agora não é mais possível recorrer ao financiamento de empresas. As campanhas ficaram drasticamente mais baratas e, ao menos teoricamente, a fiscalização pelo TSE foi facilitada. No entanto, o cerne da questão da reforma, mais uma vez, não foi atingido. A disputa eleitoral continua desigual, já que candidatos ricos podem se financiar do próprio bolso. A mudança que o Brasil precisa encarar aqui é experimentar o financiamento exclusivamente público, com parquíssimos recursos e igualitário. Bem que o legislativo podia dar esse presente ao povo, se quiser recuperar um pouco do seu ativismo político e a credibilidade junto ao Brasil e ao mundo.
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