Das diversas canções memoráveis que compuseram juntos, João Bosco e Aldir Blanc têm um samba delicioso que narra os planos de um personagem irreverente sobre como pretende sair vestido para o carnaval do ano 2000, na virada do milênio. E ele, então resolve ir assim: “Eu vou de fraque sabendo que o fundo tá aparecendo”. Era a forma como o personagem pretendia fazer troça com a formalidade. Para o traje a rigor, a bunda de fora.
O ex-presidente Jair Bolsonaro retorna ao Brasil depois do autoexílio nos Estados Unidos disposto a tentar inverter o sentido da intenção do personagem do samba de João e Aldir. No caso, ele deixa o fundo aparecendo para que ninguém perceba o seu traje a rigor. E tome chinelo, camisa pirata de time de futebol, caneta Bic e pão com leite condensado para esconder o Rolex cravejado de diamantes.
A descoberta de um terceiro pacote de joias presenteadas pelos árabes demonstra como o Bolsonaro simplório construído desde a campanha de 2018 tem muito de farsa. Longe dos espaços públicos, vai ficando cada vez mais evidente que o ouro de alto quilate tem preferência sobre o plástico transparente da caneta Bic.
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Desde o início, Bolsonaro tratou de ir construindo a imagem de alguém que desprezava as formalidades. O capitão grosseirão era moldado à imagem do brasileiro comum. Que ficava se imaginando na mesma condição de presidente e concluindo que, muito provavelmente, iria da mesma forma ficar sem jeito, pouco à vontade com os rapapés da vida pública na Esplanada dos Ministérios.
Então, a primeira coletiva era dada atrás de uma mesa improvisada, formada por uma prancha de surf em cima de um cavalete. Quando era óbvio que Bolsonaro conseguiria, caso quisesse, um púlpito de verdade. O pão com leite condensado era servido sobre uma mesa sem toalha. Mais adiante, Bolsonaro despacharia com seus ministros calçado de chinelo e vestido de bermuda e camisa pirata de time de futebol. O termo de posse assinado com uma caneta barata. O almoço no milionário Fórum Econômico de Davos, na Suíça, num self service.
As reportagens feitas pelo jornal Estado de S. Paulo que desnudaram a história das joias dadas de presentes pelo governo da Arábia Saudita demonstram que talvez não fosse assim tão genuíno esse desprendimento material.
Bolsonaro tentara fazer passar de maneira irregular pela alfândega três milionários conjuntos de joias. Conseguiu fazer passar um conjunto masculino que estava sob sua posse e foi devolvido na semana passada, avaliado em R$ 400 mil. Só devolveu o conjunto porque se descobriu que um segundo estojo, avaliado em nada menos que R$ 16,5 milhões, tinha ficado retido na Receita do Aeroporto de Guarulhos, descoberto dentro da mochila de um então assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.
Agora, descobre-se a existência de um terceiro conjunto de joias, com um relógio da marca suíça Rolex cravejado de diamantes. Relógio que também estava com Bolsonaro. E que nada indica que ele tivesse a intenção de devolver a ver incorporado ao patrimônio da União.
Bolsonaro retorna ao Brasil. E o PL aposta na sua liderança para reforçar fraquezas e contradições do atual governo Lula. Mas o problema do PL é tentar disfarçar nessa tarefa as fraquezas e contradições do próprio Bolsonaro. Como já contamos aqui, o PL inclusive encomendou uma pesquisa para saber até que ponto a população descobriu a existência do fraque e parou de prestar atenção no fundo aparecendo. A manutenção do truque é fundamental para os planos do partido de Valdemar Costa Neto.
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