Antonio Marcelo Jackson *
Encerradas as apurações dos votos nas eleições municipais de 2016 tornou-se um “quase lugar-comum” nos mais diversos segmentos da mídia apontar uma crise nos partidos de esquerda e, em alguns casos, até mesmo afirmar-se uma ascensão da assim denominada direita no Brasil. Tais afirmações, na medida em que se é possível mensurar, fundamentam-se majoritariamente na perda no comando de diversos municípios por parte do Partido dos Trabalhadores, ou seja, entende-se que o período compreendido entre o ano de 2002 (primeira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República) e 2016 (ano do impeachment de Dilma Rousseff na metade do segundo mandato) configuraria uma “era PT” na política brasileira e que teria chegado a seu termo no pleito de outubro último com a derrota em inúmeras prefeituras.
Entretanto, talvez seja interessante antes de afirmarmos qualquer coisa observarmos alguns aspectos, como por exemplo, se há semelhança entre as eleições municipais e gerais no Brasil, se existiu uma hegemonia de algum partido ou espectro político (direita ou esquerda) em algum momento, e mesmo o que podemos chamar de direita ou esquerda na política. E, para facilitar o entendimento, vamos analisar um recorte histórico entre o ano de 2000 (eleição municipal imediatamente anterior a primeira vitória de Lula) e 2016 (eleição que ocorre pouco tempo depois do impeachment de Dilma Rousseff).
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O primeiro passo é identificarmos se há proximidade em termos de influência entre as eleições municipais e as eleições gerais no Brasil. Ao observarmos critérios como partido político ou mesmo proposta ideológica mais geral, em nenhum momento o vencedor do Palácio do Planalto repercutiu na maior parte das prefeituras do país. Curiosamente, inclusive, em inúmeros casos é possível detectar uma radical mudança no espectro político entre uma eleição e outra. Apenas como exemplo, a cidade do Rio de Janeiro demonstrou isso de maneira crua, pois em 2008 e 2012 concedeu a vitória a Eduardo Paes (PMDB) para prefeito, em 2010 e 2014 a maior parte das zonas eleitorais da cidade cravaram seu voto em Dilma para a Presidência da República e em 2016 esses mesmo eleitores deram a vitória ao candidato Marcelo Crivela (PRB) para o comando do município.
Ou seja, se levarmos em conta esse período teremos uma variação no espectro ideológico nas eleições municipais e gerais na seguinte ordem: centro-direita; esquerda, centro-direita; esquerda; direita. Isso significa que o eleitor carioca prefere um administrador municipal de centro-direita ou direita enquanto escolhe um de esquerda para comandar o país? Deixemos isso para outra análise. Por ora, interessa perceber que há distinção entre um e outro pleito e esse fenômeno pode ser observado em diversas outras cidades.
O segundo aspecto é definirmos de maneira clara o que chamamos de direita, centro ou esquerda, para que não haja dúvidas. Sem que se retorne às configurações clássicas de esquerda e direita na política, podemos entender que um partido possa ser classificado a partir de sua auto-apresentação (como na descrição que apresenta à sociedade ele se posiciona) e, concomitantemente, somada ao senso comum dos analistas a respeito dessa mesma agremiação.
Assim, um partido de direita é aquele que defende argumentos e ações liberais, Estado mínimo e crescimento econômico em primeiro lugar; um partido de centro-direita é entendido dentro da definição anterior acrescida de uma participação do Poder Público em aspectos-chave da administração (como recursos naturais, entre outros); um partido de centro será aquele que defende os argumentos liberais sob a tutela do Estado, ou seja, é papel do Poder Público gerar as condições plenas para o liberalismo político e econômico; de centro-esquerda aquela agremiação que tem como bandeira o conjunto de normas que acatem o desenvolvimento liberal desde que sejam garantidas as condições mínimas que sejam de bem-estar social; e por fim, partido de esquerda será aquele que entende ser o papel do Estado promover a distribuição de renda, melhoria das condições sociais, mesmo que para isso seja necessário o controle de elementos-chave na economia (tais como preços, uso dos recursos naturais etc.).
Nesse sentido, se produzirmos, ainda que sem precisão absoluta, uma média do conjunto de ações praticadas por cada agremiação política entre os anos de 2000 e 2016 podem ser definidos como “partidos de direita” o Partido Social Democrático (PSD 1 e 2, ou seja, o que existiu até o ano de 2002 e o que foi fundado tempos depois por Gilberto Kassab); Partido Progressista (PP); Democratas (DEM); Partido da República (PR); Partido Republicano Brasileiro (PRB); Partido Social Cristão (PSC); Solidariedade (SD); Partido Social Liberal (PSL); Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB); Partido da Frente Liberal (PFL); Partido Liberal (PL); Partido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA); Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e Partido dos Aposentados da Nação (PAN).
São partidos de “centro-direita” Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Partido Verde (PV); Partido Republicano da Ordem Social (PROS); Partido Humanista da Solidariedade (PHS); Partido Trabalhista Cristão (PTC); Partido Ecológico Nacional (PEN); Partido Social Democrata Cristão (PSDC) e Partido da Mulher Brasileira (PMB).
De “centro” são as agremiações Partido Democrático Trabalhista (PDT); Partido Popular Socialista (PPS); Partido Socialista Brasileiro (PSB); Partido Trabalhista Nacional (PTN); Partido da Mobilização Nacional (PMN); Partido Republicano Progressista (PRP) e Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB).
Já os partidos de “centro-esquerda” são Rede Sustentabilidade (Rede) e Partido Social Trabalhista (PST).
E, encerrando, os partidos de “esquerda” são o Partido dos Trabalhadores (PT); Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Partido Pátria Livre (PPL) e Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
Não é difícil observarmos que a quantidade de partidos de direita ou centro-direita é inúmeras vezes superior às agremiações de centro-esquerda e esquerda, ou mesmo as que podemos considerar puramente de centro. Mas, também deixaremos isso para análise futura.
O que nos interessa aqui é verificarmos no conjunto de partidos políticos, a partir de seus espectros ideológicos, se podemos ou não detectar na esfera municipal a hegemonia de certo segmento, se há reflexo direto ou indireto nas prefeituras de quem está no poder em Brasília e se é possível afirmar ou não as considerações inicias desse texto, a saber, se há uma queda nas esquerdas ou mesmo uma ascensão da direita.
Reunindo a quantidade de municípios conquistados por cada espectro ideológico a partir das definições anteriormente apresentadas chegamos ao seguinte quadro:
Espectro político | 2000 | 2004 | 2008 | 2012 | 2016 |
Direita | 2060 | 1793 | 1569 | 1715 | 1887 |
Centro-direira | 2677 | 2462 | 2515 | 2160 | 2312 |
Centro | 630 | 886 | 874 | 969 | 958 |
Centro-esquerda | 16 | ——— | ——— | ———- | 5 |
Esquerda | 202 | 421 | 598 | 706 | 336 |
Em primeiro lugar, observa-se que os partidos de direita e centro-direita possuíam 4.737 prefeituras no ano 2000, chegaram a um nível mais baixo em 2012 (com 3.875 cidades) e fecham 2016 com 4.199 municipalidades. Os de centro, à exceção da eleição de 2012, se posicionam em uma curva crescente que se inicia com 630 municípios e atingem 958 no corrente ano. Por fim, os de esquerda iniciam com 218 conquistas, atingem 598 no ano de 2008 e chegam a 336 em 2016.
A primeira conclusão é percebermos que a assim chamada direita ou centro-direita sempre possuiu o controle político e administrativo em torno de 4 mil cidades de um total de cerca de 5.500 municípios que o Brasil possui, ou seja, mesmo com algumas variações, a denominada “era PT” em momento algum alterou o espectro ideológico nos municípios; se tanto, pode-se dizer que uma troca tenha acontecido em uma grande cidade como São Paulo, por exemplo, ou mesmo uma substituição das agremiações dentro desse naipe ideológico (não está no quadro anterior, mas no levantamento feito observou-se a queda vertiginosa do PFL e seu legítimo herdeiro, o DEM, de mais de mil prefeituras para cerca de 265 cidades em 2016 e sua substituição por outros partidos, tais como o PSD ou o PR). Porém, não se pode dizer que existiu uma substituição nítida nas cadeiras municipais da direita pela esquerda; quando muito, no final das contas, uma troca da direita por outra direita.
No outro extremo, os partidos de esquerda e centro-esquerda, mesmo tendo curva crescente detectada até 2012 e sua queda em 2016, não produziu um quadro em que esse segmento ficasse abaixo daquele em que se encontrava no ano de 2000. Nesse caso, como tratamos de um número pequeno de agremiações, nota-se, por exemplo, que na data mais antiga o PT possuía 200 prefeituras e o PCdoB duas apenas; em 2016, o Partido dos Trabalhadores fecha com cerca de 250 e o PCdoB com 80 vitórias (o restante ficando divido entre a Rede, Psol e PPL). Fica a observação relevante de que a imprensa de uma forma geral chamou a atenção para a pouca expressão das conquistas do PSOL e REDE, excluindo a curva crescente do PCdoB em todo o processo.
Se esquerda e direita possuem as características acima, o que nos chama a atenção é o crescimento constante dos partidos de centro. Mesmo com uma pequena queda nas eleições de 2008, esse espectro ideológico conquista a cada pleito um conjunto de cidades que não podem ser desprezadas. Pode-se, inclusive, ter como hipótese de que na medida da manutenção do controle político dos partidos de direita e centro-direita no país, a variação que se dá reside entre os partidos de esquerda e centro-esquerda com os partidos de centro.
Evidentemente um detalhamento maior é fundamental; mas, pelos dados apresentados, poderíamos dizer que, consolidadas as posições de direita e esquerda, é no centro do espectro que o pêndulo da balança política irá pender nos próximos anos? É um caso a se pensar.
* Doutor em Ciência Política pelo Iuperj. Professor do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto.
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