José Rodrigues Filho *
Só depois de quase duas décadas de uso no Brasil, os legisladores brasileiros chegaram à conclusão de que a urna eletrônica é suscetível a fraudes. A comunidade científica nacional e internacional sempre foi desafiada, principalmente pela Justiça Eleitoral brasileira, que sempre afirmou que a urna eletrônica é confiável. Era de se esperar que, aos poucos, a sociedade brasileira e os eleitores fossem perdendo a confiança nesta tecnologia, rejeitada nas democracias mais avançadas. Além disso, há muito tempo que a comunidade científica nacional e internacional atestou, também, que a nossa urna eletrônica não é um instrumento auditável. O PSDB levou alguns meses para comprovar o óbvio. Mesmo assim, ainda existem alguns parlamentares que duvidam disso.
Por conta da descrença dos legisladores brasileiros, foi aprovado, para ser usado já nas eleições de 2016, o voto impresso, como se isso viesse a resolver os efeitos maléficos das urnas eletrônicas. É um passo, mas não é a solução para resolver tamanha fragilidade e interferência das urnas eletrônicas na nossa democracia. É um passo, no sentido de se poder auditar uma votação eletrônica, mas a sociedade não pode permitir que as eleições sejam privatizadas e o ato de votar seja processado por urnas eletrônicas. Foi assim que a Alemanha considerou o voto eletrônico inconstitucional e outros países aboliram esse tipo de voto, a exemplo da Holanda. Até o Paraguai rejeitou o uso das urnas eletrônicas brasileiras. O que sempre foi orgulho dos brasileiros, é rejeitado no mundo desenvolvido.
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O voto do eleitor é o que existe de mais sagrado nas democracias e por ele deve ser controlado. Não existe certeza se, ao digitar o seu voto na urna eletrônica, o mesmo foi contabilizado, conforme foi votado, ou foi perdido por conta de um circuito eletrônico ou desviado para outro candidato. Ao perder o controle de seu voto, o eleitor torna-se totalmente alienado pela tecnologia. O controle do voto, essência da democracia, é repassado para as urnas eletrônicas (grandes corporações) e para os desconhecidos controladores delas, no dia da eleição. O PSDB parece ter desconfiado das urnas, mas o perigo maior parece não ter sido percebido e que diz respeito ao controle delas no dia das eleições. Essa é a grande questão que deve ser discutida pelos legisladores, ou seja, quem está controlando as urnas eletrônicas no Brasil. As urnas não fraudam, mas podem ser levada a isso por seus controladores.
Assim sendo, o voto eletrônico no Brasil é um bullying material, institucionalizado no país pelos Poderes da República e grandes corporações, uma vez que o eleitor é retirado do controle do que lhe pertence. O ato de votar deve ser muito visível e materializado sob os olhos do eleitor, e não invisível, imaterializado ou desmaterializado pela tecnologia. É esse tipo de extorsão que as democracias mais avançadas não aceitam. O voto impresso, por sua vez, não resolve isto. Muitos países utilizam a cédula de papel para registrar, de forma apropriada, a escolha do eleitor (permitindo qualquer tipo de auditagem), e realizam a contagem dos votos eletronicamente, ou seja, por meio de códigos de barras.
Há poucos dias, o Canada realizou eleições para escolha de seus membros do Parlamento. A cédula de votar foi emitida e os eleitores votaram na forma tradicional. A contagem de votos foi concluída poucas horas depois de finalizada a votação. Recontagens aconteceram, também, rapidamente. Diferentemente do Brasil, o que foi feito eletronicamente foi a contagem de votos e não o ato de votar.
No Brasil a Justiça Eleitoral tornou-se muito poderosa com o voto eletrônico que aí está. A contagem rápida de votos deixava os eleitores orgulhosos dessa tecnologia e a Justiça Eleitoral cada vez mais poderosa. Porém, para a democracia, qual a qualidade dos eleitos? Depois de uma eleição tão cara, quais os efeitos positivos para a democracia? Depois de vinte anos, o país tornou-se mais ou menos democrático? A sociedade brasileira está mais participativa ou passiva?
Os legisladores brasileiros devem repensar o controle das eleições no Brasil e, consequentemente, da democracia. O Brasil é um dos poucos países do mundo em que existe uma Justiça Eleitoral para administrar as eleições. Isso deve ser repensado, de modo que as eleições sejam controladas pelos eleitores, partidos políticos e pela sociedade, por meio de comissões eleitorais, como acontece em outras democracias avançadas.
O que se observou, lamentavelmente, na votação de derrubada do veto do voto impresso é que o Executivo estabeleceu a forma de votar, a pedido da Justiça Eleitoral, contrariando as decisões do Parlamento. Pior do que isso, a Justiça Eleitoral parece ter definido que, nas próximas eleições, o voto impresso não vai ser implementado, por questões técnicas. A questão principal é que a Justiça Eleitoral vai ter muitos problemas com o voto impresso, como já aconteceu em outras partes do mundo, não podendo, talvez, fornecer o resultado das eleições poucas horas depois de realizadas. Isso pode significar perda de poder e muita confusão, com os frequentes pedidos de recontagem de votos. Por fim, a tecnologia de voto eletrônico e administração das eleições no Brasil precisam ser repensadas pelos legisladores para torná-las transparentes aos olhos da sociedade, eleitores e partidos políticos, fato que não acontece com as atuais urnas eletrônicas.
* Professor da Universidade Federal da Paraíba, foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA). Atualmente é professor visitante na McMaster University (Canadá).
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