Relatos dos bastidores da reunião que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, teve há alguns dias com representantes da CPI dos Atos Golpistas da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) conta que, em determinado momento, ele teria debochado do fato de alguns dos presos na ocasião terem dito que invadiram as sedes dos Três Poderes para “rezar nos montes”. Segundo os relatos, Moraes riu e gesticulou para reforçar que Brasília e a Praça dos Três Poderes estão em um planalto e que, portanto, não haveria “montes”.
Talvez o presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) devesse buscar algumas informações sobre um conceito chamado “teologia do domínio”. E que, inclusive, foi tema de uma ampla reportagem aqui do Congresso em Foco em agosto do ano passado, quando Michelle Bolsonaro começou a despontar como opção política na campanha de Jair Bolsonaro à reeleição. Antes de debochar, Moraes talvez percebesse que era sobre isso que falavam os presos quando mencionaram “montes”.
A Teologia do Domínio é uma espécie de braço religioso de alguns dos projetos de autocracia que andam se ensaiando pelo planeta. O cerne está na crença de que, ao longo do tempo, o cristão teria perdido o domínio sobre “Sete Montes”. Que precisam ser reconquistados para que a Terra se prepare para o retorno de Jesus Cristo. Os Sete Montes são: Família, Religião, Educação, Mídia, Lazer, Negócios e… Governo. Ao dizer que iam “rezar nos montes”, os presos estavam dizendo que iam de encontro a um dos montes da Teologia do Domínio, o monte do Governo, representado ali pelos prédios dos três poderes.
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Na reportagem que fizemos em agosto do ano passado, o professor Pietro Nardella-Dellova, doutor em Ciência da Religião da PUC/SP dizia que a Teologia do Domínio, “tem um apelo muito forte junto aos evangélicos”.
“A Teologia do Domínio tem um abordagem pesada: é preciso tirar o diabo do poder. É preciso dominar o poder político fazendo com que os ungidos do Senhor tomem conta do poder político, que é o discurso da Michelle Bolsonaro. Segundo Michelle, havia demônios, havia pacto com demônios, eles estavam presentes no Planalto, e o Senhor ungiu o ‘mito’, o ‘Messias’, que foi batizado no Rio Jordão para libertar. Perceba a montagem da narrativa”, dizia Dellova, na ocasião.
É aí que mora o perigo do deboche de Alexandre de Moraes. Ao rir do que aparentemente lhe parecia uma ignorância geográfica dos presos no 8 de janeiro, na verdade o presidente do TSE agride a crença daquelas pessoas. Por mais que a Teologia do Domínio possa pela via dessas pessoas ter ganho uma interpretação torta e antidemocrática, que sem dúvida precisa ser combatida, o caminho para esclarecer não pode passar pelo desrespeito à crença religiosa.
PublicidadeBoa parte dos problemas que estamos vivendo talvez passe pelo fato de que o perfil religioso do brasileiro vem mudando de maneira vertiginosa. O que muda também o conjunto de valores da sociedade. Se isso não for bem compreendido por quem está no poder, os riscos de curto-circuito serão cada vez maiores.
Especialmente porque, ao contrário da religião católica, os evangélicos não são uma única matriz religiosa. São diversas igrejas diferentes, com conjuntos de valores diferentes. A ideia de estabelecer um projeto político próprio é mais forte nas igrejas neopentecostais, onde também é mais forte a ideia da Teologia do Domínio.
Se alguém no alto do exercício do poder assume um tom de deboche sobre quem está abaixo, isso só vai servir para acirrar o clima de guerra santa que está por trás de conceitos como esse.
Conheça ou não esses conceitos, seja ou não familiar a eles, o fato é que Alexandre de Moraes pode ter tropeçado no preconceito no comentário que fez aos deputados. Nesse clima de polarização em que vivemos, não é algo que ajude.
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