Ana Carolina Vaz da Silva e Leonardo Barros Soares *
Terras indígenas se constituem, hoje, no Brasil, como uma das últimas fronteiras de contenção para a sanha destruidora do meio ambiente que ganhou impulso durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro. Povos indígenas não apenas aqui, mas em todo o mundo, estão na linha de frente da luta pela preservação dos biomas e desenvolvem um papel crucial – muitas vezes, às custas de suas próprias vidas – na manutenção da regulação climática do planeta. Além da atuação política nos territórios, os povos indígenas brasileiros estão se organizando para aumentar sua representação nas instituições políticas tradicionais em âmbito estadual e federal.
Em 2022, vimos o maior número de candidaturas indígenas lançadas para as eleições brasileiras. Este é um crescimento que se apresenta de forma paulatina, mas, esse ano, observamos que a estratégia prioritária publicizada por organizações do movimento indígena tem sido a luta pela eleição de representantes de suas comunidades, na busca pelo “aldeamento da política”. Com isso em mente, o presente texto apresenta o mapeamento das candidaturas indígenas lançadas ao pleito deste ano e, ao mesmo tempo, aponta reflexões acerca do papel dos partidos políticos nessas candidaturas.
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Para a realização do levantamento a partir da classificação étnica, utilizamos a autodeclaração dos candidatos. Os dados foram retirados do Portal Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral. Foram solicitadas ao TSE o registro de 183 candidaturas indígenas. Destas solicitações, três candidatos foram declarados inaptos e 180 indígenas tiveram seus registros aceitos. Realizando-se o mapeamento somente com os considerados aptos ou cadastrados, encontramos candidatos disputando cargos nos pleitos estaduais ou nacional. Com exceção do cargo à Presidência, todos os outros têm, ao menos, um candidato indígena.
São 111 candidaturas para deputado estadual ou distrital, 56 para deputado federal, duas para governador e três para senador. Também foi registrada a primeira candidatura à vice-presidência, quatro para vice-governador e três para suplentes de senador. Há um aumento significativo na comparação com as eleições de 2018, quando 124 indígenas foram apresentados ao eleitorado, e de 2014, com apenas 74 candidaturas.
Um fator interessante pode ser destacado: todos os estados brasileiros lançaram ao menos um candidato indígena nas eleições de 2022. Em 2018, Goiás era o único estado que não contava com nenhum candidato indígena. Em 2022, um indígena apresentou-se ao pleito para deputado estadual. Já Roraima é o estado com o maior número de indígenas lançados ao pleito, 29 candidatos. No estado, quase todos os cargos tiveram uma candidatura indígena. No recorte regional, a região Norte é a que possui o maior número de candidaturas, 41% do total de candidaturas indígenas dessas eleições, seguida pela região Nordeste (19%), Sudeste (18%), Centro-Oeste (10,5%) e Sul (10%).
Das candidaturas lançadas, quase 93% são direcionadas ao pleito proporcional, sendo que 61% dos candidatos indígenas estão disputando as assembleias estaduais e 31% a Câmara Federal. Apenas 7% dos candidatos concorrem nas eleições majoritárias. A literatura da Ciência Política aponta que esse valor tão díspar é justificado pelos muitos custos que os partidos têm ao lançamento de jogos majoritários ou em arenas nacionais (como, no caso, os deputados federais). Logo, o lançamento de candidaturas passa a ser seletivo. As organizações partidárias têm como prática atribuir uma maior prioridade, recursos financeiros e humanos aos candidatos considerados com “capital político”. A mesma literatura aponta que as arenas estaduais e proporcionais costumam ser as disputas consideradas menos custosas aos partidos.
Já para os candidatos indígenas, em virtude do entrave partidário, as arenas estaduais costumam ser um meio de entrada para a arena política, onde podem contar com o poder de mobilização de suas organizações como agitadores políticos – pois, em geral, não podem contar com os recursos partidários.
Cabe-nos, de antemão, questionar as razões que levam as lideranças políticas a não priorizar o lançamento de candidaturas indígenas ao majoritário. Já é sabido que as populações indígenas, mais do que falar sobre os seus, detêm conhecimento e capital político para o acesso a cargos majoritários. A quem interessa o lançamento de apenas candidaturas brancas para esses espaços?
No cenário observado em 2022, apenas o PT, Psol, PSTU e UP lançaram indígenas para cargos majoritários. A exceção está na candidatura para senador lançada pelo Republicanos, do vice-presidente Hamilton Mourão, que se autodeclarou indígena ao TSE. Já para as eleições proporcionais, seja para a Câmara Federal ou para as assembleias estaduais, observamos o lançamento de uma variedade de partidos. Foram 29 partidos lançando ao menos um candidato indígena para o pleito proporcional. Entre os cinco partidos com o maior número de candidaturas indígenas estão Rede (19), Psol (18), PT (17), PDT (14) e PL (13), partido do presidente Jair Bolsonaro.
Sobre a variedade partidária para essa disputa, dois pontos devem ser analisados com cautela. Por um lado, a partir do sistema de autodeclaração, a presença de candidaturas indígenas em partidos de direita demonstra que nem sempre os candidatos estão alinhados com as pautas do movimento indígena, como é o caso de Mourão. De outro, é necessário avaliar – a partir de pesquisas futuras – a capilaridade que os partidos possuem nos estados. A força partidária das agremiações altera-se a partir do território em que estão presentes e isso faz com que, mesmo candidaturas alinhadas ao movimento, tenham que se lançar em partidos de centro ou de direita. Um exemplo disso é a candidatura de Marquinhos Xukuru, pelo Republicanos, em 2020, para a prefeitura do município de Pesqueira (PB).
Na comparação temporal, é possível verificar que as candidaturas indígenas têm ganhado cada vez mais espaço nos partidos. Esse cenário é resultado direto das mobilizações realizadas pelas organizações sociais indígenas em torno da ocupação de cargos públicos. Em 2022, essas organizações nos convidam para o “aldeamento da política”, elegendo estes parlamentares. Enquanto a mobilização desses atores políticos deve ser saudada, a abertura dos partidos políticos para o acesso desses e dessas sujeitas deve ser repensada. É preciso que haja maiores incentivos partidários para que essas candidaturas consigam se tornar viáveis eleitoralmente.
Devemos estar atentos para a possibilidade de ampliação da representação indígena nos espaços tradicionais de poder. A constituição de uma “bancada do cocar” não apenas na arena federal, mas também nas arenas estaduais, pode trazer novas perspectivas para a luta contra o desmantelamento normativo e institucional em torno do meio ambiente que tem vigorado nos últimos anos no país.
Gráfico 1. Número de candidatos indígenas nas eleições de 2022, recorte por cargo e unidade federativa.
* Ana Carolina Vaz da Silva é professora substituta na Universidade Federal de Viçosa. Doutoranda, mestra e bacharel em Ciência Política pela UnB. Participa do Grupo de Pesquisa Relações entre Sociedade e Estado (Resocie) e do Grupo Política e Povos Indígenas nas Américas (Popiam).
Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.
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