Sabe aquela cena pitoresca em que uma pessoa casada chega em casa fora da hora prevista e pode descobrir que o amor da sua vida está na cama com outra pessoa? O que é que a pessoa na posição de amante faz, com medo de ser pega em flagrante e morta pela pessoa que está sendo traída no casamento?
Num primeiro momento, esconde-se dentro do guarda-roupas; em seguida, quando a barra está limpa, vai embora pulando pela janela. Já do lado de fora, ainda vestindo as calças, depara-se com o povo na rua, que assiste a tudo.
Analogamente, é o que acontece com a chamada janela partidária. A casa é o Parlamento; a pessoa traída é o partido original; a pessoa que trai, é o político infiel; a janela é a lei que permite a fuga sem deixar vestígios e a pessoa na posição de amante é o possível futuro partido namorando a possível futura filiada. E o povo? É o povo mesmo. Pasmo, assistindo a tudo, muitas vezes, sem entender nada, e as vezes, sorrindo ou se revoltando com a situação.
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Ao longo da história constitucional e legislativa do Brasil, depois de idas e vindas, de leis e emendas no parlamento e resoluções no Judiciário, para se tentar fortalecer os partidos políticos, passou a ser aplicada a regra da “fidelidade partidária”. Quando parecia que finalmente a regra funcionaria para valer, foi criada em 2015, com a Lei 13.165, a chamada “Janela Partidária”, que se transformou em mais uma hipótese de justa causa para a desfiliação de políticos sem perda de mandato. Daí em diante, uma série de novas decisões judiciais ocorreram, abrindo mais brechas à infidelidade, e, motivos não faltavam às justificativas apresentadas no Judiciário.
Até que em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral pôs um freio de arrumação e decidiu que só pode usufruir da janela partidária o político eleito que esteja no término do mandato. Com isso, a cada ano eleitoral, seis meses antes da eleição do 1° turno, os políticos com mandato ganham um prazo de 30 dias para mudar de partido sem perder o mandato por infidelidade partidária, independente do motivo. Por exemplo, os vereadores eleitos só podem migrar de partido no período da janela destinada às eleições municipais, assim como os deputados federais e estaduais, como é o caso agora, só podem migrar no período de abertura da janela das eleições gerais.
Olhando pela perspectiva do parlamentar que não considera o mandato uma construção coletiva, mas uma propriedade privada – “meu mandato, meus cargos, minhas emendas, meus votos, minhas ideias e minhas decisões” – há diversos motivos apontados como justificativa à mudança de partido: alguns chegam a declarar que “o partido quer mandar em mim e me obrigar a votar contra o que eu acredito e prometi na campanha”.
Sim, é bem verdade que a maioria dos partidos têm literalmente donos, os chamados caciques, e que em boa parte deles não há vida orgânica, nem democracia interna. Na visão de alguns políticos, portanto, a mudança de partido é vista como natural, seja para fugir da batuta dos chefes políticos locais ou nacionais, ou por uma questão de sobrevivência imediata, na tentativa de renovação do mandato.
Mas, vale lembrar que no campo das eleições proporcionais, exceto quando, raramente, um candidato completa sozinho o quociente eleitoral para gerar uma vaga, a mudança partidária sem perda do mandato representa não só uma injustiça, mas, uma traição significativa que não diz respeito somente ao CNPJ do partido.
Por quê? Porque todo o grupo de candidatos que disputou o mesmo mandato é fortemente traído, já que, todos somaram votos para a geração daquela vaga, que passou a ser ocupada por um desses candidatos que depois da eleição abandonou o partido e levou a vaga junto com ele. Ou seja, toda a turma da “esteira” – como são chamados os que somam votos que servem para eleger outros – acaba se sentindo usada e traída. É por isso que se pergunta: o mandato pertence ao partido ou ao candidato?
Por outro lado, também não se pode ignorar que há muitos interesses em jogo, inclusive financeiros e aqui podemos destacar a importância da presença de deputados federais nos partidos: quanto mais deputados, mais tempo de propaganda eleitoral e partidária na TV e rádio e mais recursos nos fundos partidário e eleitoral, que podem ser direcionados para as campanhas eleitorais desses deputados e de seus aliados: para se ter uma ideia, agora em 2022, só o fundo eleitoral chegou a destinar quase R$ 5 bilhões.
Sinceramente, eu pergunto: depois da oficialização da janela da infidelidade, qual é a utilidade da “Lei” de Fidelidade? A garantia de que o político fica no partido até próximo do fim do mandato?
Teoricamente, sim, mas, na prática, não necessariamente, pois, com raras exceções, há políticos que perdem o mandato fora do período mágico da janela da infidelidade. Boa parte acaba fazendo acordo com o partido ou utilizando formas de pressão política para deixar o partido por qualquer conveniência e, vencida essa etapa, de quem quer deixar o partido e do burocrata que autoriza, praticamente o judiciário avaliza.
Uma democracia forte necessita de partidos fortes e de representantes que encaminhem no legislativo ou no executivo os anseios da população. A eleição de um candidato ao parlamento não deveria ser resultado de meros cálculos matemáticos, mas, o resultado de um compromisso firmado com o eleitor, baseado em ideias e propostas construídas coletivamente. E, o partido, não deveria funcionar como um mero cartório a chancelar interesses particulares, de acordo com a conveniência do momento, mas, o ambiente a mobilizar pessoas em torno da pluralidade de ideias e ideologias: um espaço de debates e do desenho conjunto de políticas públicas para melhorar a vida da nação.
Por fim, não se espante com o resultado do pula-pula que vai se encerrar neste primeiro de abril. Poderá até parecer mentira, mas a verdade é que no dia seguinte, o Brasil amanhecerá com um novo mapa de configurações partidárias após o troca-troca permitido pela janela da infidelidade.
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