Diariamente tenho ouvido as pessoas falarem que “a eleição tá muito polarizada”. Mas, será que realmente temos no Brasil de 2022 uma polarização?
Vamos lá: a ideia de polarização é um conceito que a política pegou emprestado da Física e supõe a existência de concentração de forças em extremos opostos, a exemplo da divisão de uma sociedade em dois grupos. O pressuposto é que ambos têm a mesma capacidade de atração em seu polo, como se os dois tivessem aproximadamente a mesma força.
Ao que parece, o que há é muita confusão entre o que seria polarização partidária, polarização entre candidatos e polarização entre ideias e ideologias extremamente opostas que são refletidas em forma de debates acirrados, por vezes violentos, nas rodas de opinião pública – favorecida pelos algoritmos das redes e mídias sociais, os quais ajudam na formação das “bolhas” que se entrechocam em discursos radicalizados.
Podemos pensar na polarização estruturada, como é o caso dos Estados Unidos, entre os republicanos, com tendência a apoiar causas mais conservadoras, e os democratas, adeptos de visões e causas mais progressistas. Lá, existe uma identificação partidária forte, concentrada nestes dois partidos, que formam dois polos.
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Já no Brasil, a identificação partidária é extremamente fraca e pulverizada em mais de 30 partidos políticos. Um deles, o PT, concentra de fato mais poder em relação aos demais, possui vida orgânica, tem capilaridade nacional e forma o que poderíamos chamar de polo. Durante alguns anos o outro polo partidário que rivalizou com o PT foi o PSDB, nas gestões de Fernando Henrique Cardoso e nas disputas presidenciais seguintes. Ainda assim, em momento pontual da história do país. Hoje, fora do poder central, o próprio PSDB esvaiu-se em vários grupos, e não tem mais a mesma identidade e consistência que antes, para que possa ser interpretado como um polo, ao passo que o PT, mesmo após ter passado por uma sequência de desgastes, permanece como núcleo consistente a atrair outras forças que gravitam ao seu redor e em especial do seu líder maior, o ex-presidente Lula.
Sendo assim, existe polarização política no Brasil de 2022?
Atualmente, não há um partido político que polarize com o PT. O polo oposto ao PT é o polo anti-PT, que foi protagonizado recentemente pelo PSDB e chegou a ser personificado na figura de Aécio Neves. Porém, hoje o polo anti-PT encontra-se fragmentado. O maior desses fragmentos está concentrado na pessoa do presidente Jair Bolsonaro, que já passou por oito partidos políticos, mas nunca abraçou consistentemente nenhum deles. Não permaneceu nem mesmo no PSL, por onde foi eleito presidente e já está no PL para disputar a reeleição. Tem a seu favor o poder da caneta federal e a capilaridade junto a setores evangélicos e apoiadores radicais, apesar do desgaste que imprime mais de 50% de reprovação ao seu governo.
Na prática, Bolsonaro personificou um sentimento anti-PT e, pelas suas características pessoais e de seus apoiadores, é identificado com a extrema-direita. Portanto, temos aí descortinada a falsa ideia de uma polarização entre Lula e Bolsonaro, justamente porque o ex-presidente Lula não representa o extremo oposto a Bolsonaro; porque Lula não é um político de extrema-esquerda, e o PT também não o é; porque mesmo que houvesse uma polarização, ela não seria proporcional, do ponto de vista de uma sociedade quase igualmente dividida entre os dois; porque há um candidato (Lula) que concentra intensões de voto correspondente a quase todo o somatório dos demais candidatos, há um segundo candidato (Bolsonaro) com um pouco mais de sobrevida e mais dez candidatos embaralhados dividindo entre si as demais intenções de voto. Desses dez, um (Ciro) é mais assemelhado ao grupo progressista/lulista e os nove restantes são apenas Bolsonaros disfarçados, mais polidos, do tipo que não tomariam um banho de farofa na feira: basta ver que os seus partidos, quando não estão dentro do governo direta ou indiretamente, em geral votam com o governo e apoiam principalmente suas pautas econômicas.
Quando muitos expõem em seus discursos que desejariam um terceiro nome, uma terceira força, um nome de centro, na verdade não compreendem que, no atual cenário, como já foi num passado recente, Lula é o centro: não é revolucionário, é conciliador e tem perfil que agrega. É isso que as pesquisas qualitativas e quantitativas mostram exaustivamente desde 2020 e mais claramente ainda em 2022 e é confirmado pela construção das alianças não só com vistas ao processo eleitoral, mas de olho no possível futuro governo.
Então, de onde veio essa lorota da polarização?
Bem, para que a extrema-direita pudesse ascender ao poder, e isso não foi um caso só do Brasil, havia a necessidade da materialização de um discurso ultrarradical para capitanear para si a identidade anti-petista. Essa missão foi encampada por Bolsonaro e a estratégia foi somada à defesa de um conjunto de ideias na economia, na educação e em outras áreas de uma maneira tal que, de acordo com a narrativa deste grupo, quem não apoiasse ou se contrapusesse às ideias da extrema-direita, seria interpretado como sendo membro da esquerda ou mesmo da extrema-esquerda. Para dar um exemplo atual, defender vacina e ciência passou a significar uma atitude de comunistas, petistas e esquerdistas… então, pelo caminho do debate de opiniões divergentes, baseadas em falsas equivalências e alimentadas full time por meio das redes e mídias sociais, consolidou-se a sensação de polarização e a necessidade de combater o mal, sendo “o mal” tudo aquilo diferente do que eu penso.
O curioso é que mesmo aqueles que criticam a imaginária “polarização” parecem não tomar ao menos a atitude de apontar outros nomes nas pesquisas de opinião. É como se no íntimo fossem eleitores dos dois principais candidatos, mas, por razões diversas, não têm coragem de manifestar a preferência por um ou por outro.
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