2014 tem sido um ano de fortes emoções para quem acompanha, se importa, participa e gosta de política de verdade. Nesse cenário, manter a calma tem sido uma tarefa complicada para qualquer um, tenha a opção política que tiver. No ápice das emoções, os resultados do último domingo, acompanhados de uma avalanche de reações, representa muito trabalho para os próximos quatro anos.
Nós acabamos de eleger o Congresso mais conservador desde 1964, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Essa formação acende um sinal amarelo e fornece bases para o surgimento de um discurso político que gera retrocessos na conquista de novos direitos e também em direitos já consagrados. Desde os direitos das mulheres, dos negros, indígenas e LGBT, até o direito de acesso à informação e a liberdade de expressão.
Celso Russomanno (PRB-SP), o deputado mais votado do país, tentou derrubar o projeto da Lei da Ficha Limpa na votação dos destaques da proposta, ao lado de Paulo Maluf e outros deputados. Russomanno se apresenta como advogado, mas nunca passou no exame da OAB, e chegou a ser processado por advogar ilegalmente. Dentre vários escândalos, ele também foi ativo participante do escândalo das passagens da Câmara. O deputado usou a cota parlamentar para viajar com a família para Nova York e Montevidéu. Nosso deputado mais votado ainda é acusado de peculato (apropriação, ou desvio, de recursos públicos em proveito próprio), crime de falsidade ideológica, aliciamento de clientes, suborno e de operar uma rádio ilegal no interior paulista sem a concessão do Ministério das Comunicações.
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Tiririca (PR-SP), o segundo deputado mais votado, apesar de não ter faltado a nenhuma votação no seu primeiro mandato, apresentou apenas oito projetos em quatro anos, e nenhum deles se transformou em lei. Além disso, Tiririca nunca fez um discurso na tribuna. Mesmo não sendo alvo de nenhum escândalo, do ponto de vista da produção legislativa seu resultado foi praticamente nulo.
O terceiro deputado mais votado, Jair Bolsonaro (PP-RJ), alvo de um inquérito que apura crime contra a fauna, também foi acusado de homofobia, e chegou a afirmar que não corre “risco” de ter filhos gays porque eles teriam tido uma “boa educação”. Não muito longe de Bolsonaro, no quarto lugar entre os mais votados, ficou Marco Feliciano (PSC-SP), que se intitula o guardião da família brasileira. O deputado, no seu primeiro mandato, aprovou dois projetos na Comissão de Direitos Humanos contra o casamento gay.
Esses são só os TOP 4 da lista dos 513 deputados eleitos no último domingo, mas já diz muito sobre os desafios que iremos enfrentar nos próximos quatro anos. E tenha você candidatos eleitos ou não, a responsabilidade também é sua, ao lado de toda a população, que vota na maioria das vezes mal sabendo o nome do seu candidato.
Neste último domingo recebi muitas mensagens, faltando poucas horas para encerrar o horário de votação, de diferentes amigos me perguntando “Em quem eu voto para deputados?”. Reconheço que me dediquei na pesquisa sobre os candidatos que votei, consultando previamente suas propostas e histórico, e sou a favor da troca de ideias e debate, pois sei que não é nada fácil escolher um deputado frente ao número gigante de candidatos que existem (eu demorei para escolher os meus!). Mas, mesmo assim, os pedidos me incomodaram. E me incomodaram primeiro por serem pedidos de última hora, apressados, de pessoas correndo para a urna; segundo por serem pessoas que possuem condições e noção crítica para buscar seus candidatos com antecedência e fazerem escolhas conscientes; e, terceiro, por saber que assim age a grande maioria da população.
É comum ver as pegarem a cola do amigo, do pai, ou os santinhos jogados no chão sem sequer lerem os nomes dos candidatos, ou escolherem alguém por ser amigo do amigo, e seguirem para as urnas reclamando da “chatice” que é ter que votar porque “não faz diferença mesmo” (enquanto eu, no meu orgasmo democrático, fui ansiosa e feliz da vida votar).
Não estou dizendo aqui que quem votou no Tiririca, ou qualquer outro, não sabia o que estava fazendo, pois sei que muitos sabiam, mas a maioria eu garanto que não pesquisou ou foi no embalo do “voto de protesto”. O problema é que na hora de reclamar que o Congresso é corrupto, conservador, fundamentalista e incompetente, essa maioria parece esquecer quem os colocou lá, e já é tarde demais para gritar “vocês não me representam”.
Além de não saberem em quem votar, as pessoas também não sabem o que faz um deputado e um senador, e sequer imaginam o impacto que a formação do Congresso Nacional tem em suas vidas. E enquanto a população não entender a função dos nossos representantes, não entender a função das nossas instituições e não entender que são responsáveis por tudo isso, seguiremos aumentando a distância entre a vontade do eleitor e o mandato do eleito.
E para piorar esse cenário o nosso sistema eleitoral é extremamente injusto e desconhecido pela população. Ao contrário do que muita gente pensa, nas eleições para deputado federal, estadual e distrital, não ganha quem tem mais votos (isso sem falar da questão econômica e do financiamento das campanhas, que é tema para outro artigo). Nosso sistema é proporcional e por isto permite a eleição de um candidato com poucos votos, enquanto um nome bem votado pode ficar fora do parlamento. Somente 35 deputados federais, dos 513 que irão compor a Câmara a partir de 2015, receberam votos suficientes para se elegerem sozinhos. Os demais foram eleitos com os votos da legenda ou de outros candidatos de seu partido e coligações. Só o Russomanno levou com ele outros quatro candidatos, Tiririca puxou mais dois.
Pois é, até você que votou de forma consciente não tem tanto poder como imagina. Já disse Drummond de Andrade: “Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder”. Porém, o futuro não é dado, é criado. E é por isso, que apesar do conservadorismo do nosso novo Congresso, nossa responsabilidade é ainda maior e não podemos chorar o leite derramado.
Tanto o sistema, como a falta de consciência da população, exigem urgentemente uma reforma política. Não há como solucionar determinados problemas da nossa democracia com o sistema político vigente, é ele que perpetua a situação que vivemos. Também não podemos esperar que o Congresso Nacional faça (ainda mais agora), ele próprio, uma reforma política que na prática acaba com muitos de seus privilégios.
Para que o povo possa realmente estar no poder a solução virá de iniciativas populares e que já estão sendo debatidas e realizadas há muito tempo. Uma dessas iniciativas, da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, propõe um projeto de lei de iniciativa popular, como a Lei da Ficha Limpa, onde o voto do eleitor favorece somente o partido e o candidato que ele escolheu, diferente do que acontece hoje.
Conheça as iniciativas populares, participe, e se informe sobre o que pensa o seu candidato sobre elas. Apesar do nosso Congresso Nacional já estar formado, ainda não definimos que será nosso(a) Presidente da República nos próximos quatro anos.
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