Quando menino, morador do Irajá, estudante de escola pública, e, à época, de mudança para a Tijuca, meus pais conseguiram para mim e duas irmãs mais novas matrículas em escolas do bairro. Para sairmos do Irajá, pegávamos o bonde até Madureira, de onde embarcávamos no trem “Deodoro 13”. O trem já chegava lotado, mas sempre havia espaço para mais um. O apelido do trem era “Coração de mãe”.
Ao sair de casa com as irmãs, nossa mãe renovava os cuidados: “Não aceitem balinhas, não sentem no colo de ninguém, não conversem com desconhecidos e não larguem as mãos um dos outros”.
Achávamos que essa dificuldade no trajeto seria por pouco tempo, mas o proprietário do apartamento que meu pai comprara não entregava o imóvel, e foram quase dois anos vivendo um período cheio de aventuras e surpresas.
Com o tempo, ficamos conhecidos no trem e éramos protegidos pelos passageiros habituais. Das recomendações, só se manteve a de não sentar no colo da ninguém. Minha mãe já se preocupava com as ações de tarados, e eu ficava de olho em minhas irmãs, presas fáceis de gente mal-intencionada. Nesse trem, aprendemos a nos defender, a ser gentis, solidários e a nos adaptar às circunstâncias da vida.
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Naquela época, ir para a capital era o sonho de milhares de nordestinos que buscavam vida melhor para suas famílias. Parecíamos estrangeiros, reconhecidos pela cabeça chata, baixa estatura e sotaque carregado.
Nesses tempos de conflitos em muitos países, a fuga é a solução. Vivem assim árabes, sírios, africanos, venezuelanos e tantos outros povos dominados pela intolerância de governantes ou disputas internas que causam o caos e milhares de mortos e feridos que, desesperados, enfrentam a violência, o perigo, o desabrigo de idosos, mulheres e crianças.
PublicidadeO Brasil sempre esteve pronto para abrigar os que nos procuram. Foi assim que construímos uma nação miscigenada e multicultural. No nosso território convivem livremente todas as origens, credos, sexos e gêneros. Só recentemente se instalou o confronto entre nós, gerando insegurança e medo.
Com a fragilidade do povo, os bandidos formaram quadrilhas e milícias de grande porte, até mesmo nos altos escalões da Republica. Não vivemos em paz.
Há algum tempo, estive na Palestina e ouvi de uma brasileira a súplica para retirar de lá o seu filho de 15 anos e mandá-lo para os Estados Unidos; perguntei-lhe por que não o Brasil? A resposta foi dura: “Lá não, é muito violento!”.
No entanto, milhares de imigrantes desejam vir para cá, onde ainda há esperança.
São essas pessoas que poderão se juntar a nós para restauramos a dignidade e a tranquilidade dos tempos em que recebemos refugiados de guerras e outras tragédias.
O Brasil é o trem “Deodoro 13” lotado nas grandes cidades, mas com muito espaço para ser ocupado. O nosso gigante pela própria natureza não pode deixar de abrir suas portas para receber imigrantes, devendo abrigá-los no interior onde construirão seus lares, educarão seus filhos, produzirão em pequenas propriedades, garantido a eles o direito de ir e vir e de serem felizes. Que venha o novo governo com sua mensagem de fé e esperança.
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Aqui o Paulo, que é disparadamente o melhor colunista da casa, foi um pouco romântico demais.
Não há país algum do mundo que tenha fronteiras abertas, por mais romântica que seja essa ideia. Claro que devemos receber imigrantes, mas de forma controlada, em um nível que possa ser absorvido por nossa economia de país pobre.