Julio R. S. Benchimol Pinto*
A modernidade, uma ideologia que domina o mundo ocidental há séculos, está sendo cada vez mais questionada à medida que novas perspectivas emergem. Com a crescente insatisfação com a dominação cultural, econômica e política do ocidente, projetos dissidentes como a desocidentalização e a descolonialidade têm ganhado destaque. Esses movimentos buscam não apenas desafiar a matriz colonial de poder, mas também reequilibrar o poder de decisão nas relações internacionais e promover uma maior diversidade de vozes e perspectivas.
A desocidentalização é um movimento que desafia a matriz colonial de poder, fundamentada na ideia de superioridade ocidental e na retórica salvacionista e triunfalista da modernidade. Ao fazer isso, a desocidentalização busca abrir espaço para outras vozes e perspectivas, reequilibrando o poder de decisão nas relações internacionais e promovendo a pluralidade cultural. Um exemplo disso é a ascensão da China, que tem trabalhado para expandir seu alcance global através de projetos como a nova Rota da Seda.
A descolonialidade, por outro lado, é um movimento que busca romper com a lógica da colonialidade, que está intrinsecamente ligada à modernidade. A colonialidade se refere à violência, exploração e expropriação necessárias para a realização da promessa de salvação e bem-aventurança trazida pela modernidade. O pensamento descolonial procura analisar e desmantelar essa lógica, questionando as relações de poder e as estruturas que sustentam a dominação ocidental.
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Apesar de seus méritos, tanto a desocidentalização quanto a descolonialidade enfrentam desafios e limitações. A expansão do poder de países como a China pode reproduzir aspectos negativos da colonialidade, mesmo que busque se distanciar do eurocentrismo e adotar elementos da modernidade de maneira mais inclusiva e adaptada aos seus próprios princípios e práticas milenares.
Além disso, a desocidentalização e a descolonialidade são frequentemente confrontadas com a resistência dos Estados Unidos e da Europa, que buscam manter sua liderança mundial através da reocidentalização. Essa disputa de poder pode levar a tensões e conflitos, e não necessariamente resultar em um mundo mais justo e igualitário.
O pensamento descolonial é fundamental para analisar as transformações na ordem mundial e os desafios que enfrentamos. Ao compreender a relação entre a modernidade e a colonialidade, podemos questionar as ações dos atores globais e promover uma maior conscientização sobre as consequências de suas políticas e práticas.
A descolonialidade nos ajuda a entender a dupla face da modernidade: a promessa de progresso e desenvolvimento e a violência e exploração necessárias para alcançá-los. Ao adotar uma perspectiva descolonial, podemos reconhecer os limites de nossas próprias análises e evitar a mentalidade imperialista que caracteriza a modernidade.
Frente aos limites e dificuldades da desocidentalização e descolonialidade, é preciso buscar uma maior radicalização do empreendimento descolonial. Isso implica em repensar nossos esforços para nos desligar ou desengajar da lógica da modernidade-colonialidade e abrir espaço para novas formas de interação e intercâmbio humano, em um sistema mais integrado e harmonioso com o meio ambiente.
Se não abraçarmos essa radicalização, corremos o risco de limitar nossas discussões sobre se já somos suficientemente modernos e aceitar um destino sombrio em que caminhamos em direção ao último holocausto produzido pela modernidade. Em outras palavras, ou sonhamos com um mundo melhor, ou aceitamos um futuro desastroso.
A desocidentalização e a descolonialidade representam movimentos importantes no questionamento da modernidade e na busca por uma ordem mundial mais justa e igualitária. No entanto, esses movimentos enfrentam desafios e limitações, e é essencial que continuemos a aprofundar nossa compreensão e promover uma maior radicalização do pensamento descolonial.
Ao fazê-lo, podemos abrir espaço para a imaginação de novas formas de interações e intercâmbios humanos, em um sistema mais harmonicamente integrado com o meio natural. Isso nos permitirá romper com a lógica da modernidade-colonialidade e construir um futuro mais justo e sustentável para todos.
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