por Luiz Henrique Antunes Alochio*
O Brasil começa a ouvir falar de forma mais acentuada a respeito de um político norte-americano, em razão das eleições presidenciais que ocorrerão em 2024 nos Estados Unidos. Falo do governador do estado da Flórida, Ron Desantis. Recente pesquisa com eleitores demonstra que o ex-presidente Donald Trump possui 48% de intenção de votos, ficando DeSantis em segundo lugar, bem distante, com 14%. São números de eleitores do Partido Republicano.
Os mesmos eleitores republicanos esperavam uma “onda vermelha” nas últimas eleições parlamentares de 2022 — as chamadas mid-terms elections ou eleições parlamentares no meio do mandato presidencial, já que nos EUA o mandato de senadores dura seis anos, e o dos deputados federais apenas dois anos. Por lá, o “vermelho” é a cor dos republicanos, partido do Trump e do DeSantis, e falar em “onda vermelha” seria esperar uma avassaladora vitória dos conservadores e da direita nas eleições.
Previa-se um Senado com alguma vantagem para os republicanos. O Senado americano tem 100 lugares eleitos, sendo presidido pela pessoa eleita para a vice-presidência da República. Logo, enquanto for vice-presidente, Kamala Harris será uma espécie de 101º voto, para casos de desempate, além de presidir a Câmara Alta.
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As previsões de onda vermelha falharam. Em 6 de dezembro de 2022, ocorreu uma espécie de segundo turno para a vaga do Senado na Geórgia. O candidato Trumpista foi muito mal. Na Pensilvânia, Dr. Oz (Mehmet Oz, que ficou famoso participando do Programa da Oprah) foi outro candidato apoiado por Trump ao Senado que naufragou, perdendo para o democrata Fetterman. Moral da história: os republicanos perderam um assento, em vez de conquistarem a vantagem esperada.
Por que isso ocorreu? Faço uma análise à distância. Começo pelo mandato presidencial de Joe Biden. O presidente Biden faz um governo ruim. Gasolina cara, inflação — o americano fica doido com inflação, pois não está acostumado como nós —, o preço dos alimentos nas alturas, violência, drogas, problemas nas fronteiras e imigração ilegal, enfim, um cenário terrível. Condições ideais de temperatura e pressão para uma catástrofe eleitoral para o partido do presidente. Esperavam uma surra nas eleições legislativas de meio de mandato.
Some-se ainda a tradição de todo presidente ter a tendência de perder a maioria ou alguns assentos no Congresso no meio do mandato. Vejamos a perda de vagas dos últimos presidentes nas eleições parlamentares de meio de mandato: Jimmy Carter (-18 lugares); Ronald Reagan (-38 lugares); Bush, pai (-9 lugares); Bill Clinton (-55 lugares); Bush, filho (-26 lugares); Barack Obama (-91 lugares); Trump (-38 lugares). Os números envolvem vagas do Senado e da Câmara dos Deputados e nos dois mandatos de presidentes que foram reeleitos. Mas Biden, cujo governo desagrada até mais que os de Clinton e Obama, não tomou a surra esperada.
Os candidatos “trumpistas” tiveram a escolha interna do Partido Republicano para a disputa das vagas para senador e deputado federal, mostrando que Trump é extremamente forte dentro do Partido Republicano. Apesar de bilionário, ele reacendeu a chama do homem do povo para a política. Menos Washington e mais povão. Em suma: Trump é fortíssimo dentro do Partido Republicano.
Mas, possivelmente, o radicalismo dele afastou votos do eleitorado nas eleições parlamentares. Na hora do voto popular, o Trumpismo pode ter afastado voto. A onda vermelha — falava-se em maioria no Senado de 52 a 48, ou 53 a 47 — não veio. Falava-se em virada de 30 ou 40 cadeiras na Câmara dos Deputados. Não aconteceu. Veio uma maioria minguada na Câmara dos Deputados. Muitíssimo abaixo do que se poderia esperar.
A aposta na radicalização pode ter sido, portanto, um fracasso. Foi útil em 2016, até para o Partido Republicano recuperar o seu maior patrimônio: o povão, que é tão desprezado pelas “elites do Partido Democrata”, especialmente os “identitários”.
Há uma outra coisa que circula por lá e por aqui: as fábricas de fake news já podem estar afastando eleitor. A direita é acusada de usar muito. Se for verdade, venceu a eleição de Trump em 2016, mas perdeu em 2020. E pode ter sido um elemento de perda de votos “independentes” nas últimas eleições parlamentares. Muitos sequer foram votar, outros votaram em branco ou, pior, votaram em “outro”, só de raiva.
Pesquisas apontaram — arredondando — 33% de eleitores “independentes” ou “não registrados” em qualquer partido. Dentre eles, 11% se dizem num espectro de eleitores “mais prováveis de votar no partido Democrata”, outros 13% “mais prováveis de votar no partido Republicano”, e 9% sem qualquer tendência prévia. Esses 9% são o divisor de águas. Já houve pesquisas indicando que o radicalismo fez o número cair para 7%, com migração dos indecisos para os democratas (2018). Talvez o fenômeno tenha recrudescido em 2020.
Caso o Partido Republicano repense a radicalização, o perfil de DeSantis pode ser muito apropriado para o eleitor tradicional GOP. O governador da Flórida traz o perfil do Partido Republicano, lembrando Ronald Reagan. DeSantis é filho de uma enfermeira e de um instalador de TV. Vem, portanto, de família simples, não pertencendo a nenhuma elite. Mesmo assim, conseguiu se graduar em Yale e Harvard, duas das mais prestigiadas universidades do mundo. Tem o perfil do batalhador que venceu pelo próprio esforço. O americano médio adora esse perfil: pai de família devotado; serviu o país como militar; graduado em universidade de prestígio (História em Yale e Direito em Harvard Law).
Como um dos governadores mais jovens da história da Flórida, em seu primeiro mandato enfrentou a covid. Atuou como um estadista: não impôs vacinação compulsória, mas colocou vacinas para quem quisesse tomar no exercício da liberdade; não impôs máscara, mas colocou máscaras e equipamentos de higienização para quem quisesse. Último estado a fechar escolas, e só o fez por curto período de tempo, sendo o primeiro a reabri-las. Exerceu mínima interferência possível nos negócios, sempre nas regras sanitárias, sendo o primeiro a reabrir a atividade comercial. Não mandou fechar templos ou proibir cultos. Tratou a pandemia, permitindo o exercício da liberdade, com regras sanitárias seguras. Sem demonizar pessoas, atividades empresariais ou religiões. Resultado? A Flórida não teve nenhuma diferença no número de mortos, provando que é possível política de saúde sem imposição de medo, e colheu um sucesso econômico, preservando empregos e atraindo empresas novas.
No lado mais polêmico, mas dentro do gosto do Partido Republicano, aprovou uma legislação contra a “cultura do cancelamento” e as “ideologias de gênero” nas escolas. Mais recentemente, assinou uma legislação contra os imigrantes ilegais, penalizando empregadores que os contratem, por exemplo.
Colheu o respeito de todos, inclusive dos democratas moderados, “libertários” (que são os radicais do liberalismo econômico e social) e dos eleitores independentes. Resultado: a Flórida mostrou uma onda republicana. O governador DeSantis foi reeleito com quase 20 de pontos percentuais de frente sobre o segundo colocado, um ex-governador do estado. Na eleição de 2022, DeSantis virou os votos num distrito (Miami Dade-County) que era democrata há 20 anos. Algo como se Bolsonaro tivesse virado os votos na Bahia.
DeSantis ajudou a reeleger o senador republicano Marco Rubio. E, das 28 vagas para deputado federal, ajudou a fazer 20 deputados republicanos.
A direita brasileira precisa prestar atenção neste nome: Ron DeSantis. Não precisamos copiar o modelo, mas, sim, prestar atenção nesse novo fenômeno, um novo perfil da direita que pode ganhar eleição, justamente por catalisar os votos independentes.
DeSantis não deve “bater de frente” com Trump. Não precisa, ele é inteligente. O Partido Republicano já viu nele uma possível figura de consenso futuro. Pode ser um plano B, caso Trump não possa concorrer em 2024, ou ser preservado para 2028, que é logo ali na esquina. Se Trump ganhar a indicação do partido para concorrer em 2024, ainda assim DeSantis sairá fortalecido. Caso Trump não se eleja, perderá força interna no partido. Se for eleito, não poderá concorrer a um terceiro mandato, já que a Constituição Americana proíbe mais de dois mandatos presidenciais — consecutivos ou não — para a mesma pessoa.
De qualquer forma, DeSantis poderá ter um futuro promissor.
* Luiz Henrique Antunes Alochio é doutor em Direito pela Uerj e professor visitante da Florida State Univeristy (2022/23).
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