Delegações com negociadores de quase 200 países estão reunidas em Genebra para elaborar um marco global para a proteção da biodiversidade similar ao que o Acordo de Paris foi para o clima. Entre os principais pontos que estão sendo discutidos no Marco Global de Biodiversidade Pós-2020, estão a proteção de terras e oceanos, o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e das mulheres, bem como de seu papel para a proteção na natureza, e a mobilização de recursos financeiros para a implementação do Marco.
A rodada de negociações, que começou dia 14 e vai até 29 de março, é uma etapa preparatória para a COP15, a Conferência das Partes da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CBD) da ONU, que será sediada em Kunming, na China. As decisões tomadas em Genebra vão dar o tom de quão ambiciosas serão as propostas levadas para a COP15.
Biodiversidade
Apesar de a crise de perda de biodiversidade receber menos atenção que a crise climática, elas estão profundamente interligadas e são causadas por atividades econômicas humanas, devendo ser mitigadas de forma conjunta. No ano passado, um relatório publicado por um painel de cientistas da ONU alertou que a rápida destruição de ecossistemas e florestas reduz a capacidade da natureza de sequestrar gases de efeito estufa da atmosfera, contribuindo com a aceleração do aquecimento global.
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Se a crise da biodiversidade tem se agravado nos últimos anos, ela vem acompanhada de um fracasso nas políticas de proteção ambiental no mundo todo. Nos últimos 20 anos, os países signatários da CBD construíram dois planos estratégicos para implementar a Convenção em períodos de dez anos: o Plano Estratégico 2002-2010 e o Plano Estratégico 2011-2020. No entanto, como nenhuma das metas estabelecidas nesses planos foi cumprida, o Marco Global de Biodiversidade Pós-2020 em negociação terá o papel de resolver o problema até 2030.
Um milhão de espécies ameaçadas
Os números da crise de perda de biodiversidade revelam o tamanho do desafio em debate na Suíça: um milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção; a atividade humana está usando excessivamente a biocapacidade da terra em pelo menos 56%; 10% dos insetos, mais de 40% das espécies anfíbias, 33% dos recifes de corais e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados. Além da extinção em massa de espécies e do agravamento da crise climática, a perda de biodiversidade ameaça a segurança alimentar e aumenta o risco de pandemias e doenças zoonóticas.
O Brasil é considerado um país megabiodiverso e tem a maior biodiversidade do mundo, abrigando biomas importantes como a Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal. Estima-se que o Brasil detenha entre 15 e 20% da diversidade biológica do mundo, e a cada ano são descobertas, em média, 700 novas espécies no país.
Mas, apesar de liderar o ranking de biodiversidade e ser um país-chave para a estabilização do clima no mundo, o Brasil também lidera o problemático ranking de desmatamento. Segundo dados da Global Forest Watch, em 2020 o Brasil perdeu 1,7 milhão de hectares de florestas primárias devido a incêndios e desmatamento, um aumento de 25% em comparação com o ano anterior. Uma análise de dados recentes de desmatamento na Amazônia, por exemplo, revela a gravidade da crise: segundo o INPE, somente nos meses de janeiro e fevereiro deste ano a região da Amazônia Legal teve 629 km² de áreas desmatadas, o maior recorde desde o início da série histórica em 2016. Cientistas alertam que a Amazônia está atingindo um ponto de devastação irreversível, podendo se transformar em uma savana dentro de algumas décadas.
“As decisões tomadas em Genebra em março serão fundamentais para medir o quanto os países estão dispostos a elaborar políticas que respondam à altura da emergência que a crise da biodiversidade exige”, afirma Diego Casaes, diretor de Campanhas da Avaaz, que está na Suíça acompanhando as negociações da CBD. “Historicamente, o Brasil tem sido um dos países com uma agenda pouco ambiciosa e que tende a travar as negociações. A sociedade civil precisa estar alerta e cobrar do Brasil a liderança que precisa exercer para um Marco Global de Biodiversidade ambicioso e eficaz”.
Para fazer do Marco uma proposta bem-sucedida, os países precisarão superar desafios bem conhecidos, como o quanto as nações desenvolvidas estão dispostas a pagar pela conservação, e o quanto os países em desenvolvimento estão comprometidos com o desenvolvimento sustentável.
Outro ponto fundamental e que segue sem definição são as metas relativas à porcentagem de terras e oceanos que deve ser protegida até 2030. Dados científicos recentes revelam que 50% dos territórios e oceanos precisam ser conservados de forma global para preservar a resiliência da biodiversidade, mas o texto do Marco ainda se divide entre os 50% ou “ao menos 30%”. Além disso, alguns países não querem que a proteção de territórios tenha meta numérica alguma.
As negociações têm sido lentas e ainda há muitos tópicos sem consenso definido entre as partes. Os próximos dias em Genebra vão tentar decidir esses impasses para elaborar um texto do Marco o mais limpo possível antes da COP15.
* Especial para o Congresso em Foco, direto de Genebra.
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