O mais fascinante aspecto do Natal cristão é a mensagem da simplicidade que envolve cada momento do relato bíblico. Até os mais agnósticos não escondem o espanto diante de uma história que tem sua força numa narração que parece ir ao contrário do que seria de se esperar.
Afinal, o nascimento de um menino que tem a dupla característica de ser Homem e Deus ao mesmo tempo, na tradição das histórias que a ela se assemelham, seja de outras religiões ou da própria literatura fantástica, deveria remeter ao surgimento de um super-herói dotado de superpoderes, muito rico e poderoso, filho de um reino próspero, com pais ocupando os mais elevados cargos, e com um trono de ouro pronto e acabado, à espera de seu futuro ocupante. Afinal, não seria o nascimento de um menino qualquer, mas do filho…de Deus! De Deus!
Mas a história contada no texto bíblico vai em sentido diametralmente oposto. Relata o momento em que um casal muito simples e muito pobre sai de casa para ir até sua cidade natal, Belém. O governo da época estava querendo saber quantos súditos havia no reino, por isso tinha decidido fazer um recenseamento. Não havia internet, telefone nem telégrafo para repassar informações. O jeito era se dirigirem à cidade onde haviam nascido pra dizer a um funcionário do governo quantos moravam em cada casa, quantos eram homens, quantos eram mulheres, quantos eram crianças, essas coisas. José e Maria eram gente simples, nada tinham de nobres, pelo contrário.
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A Bíblia até fala que José descendia de Davi, o rei sábio. Mas fica por aí, não diz mais nada. Ela estava grávida, já pertinho de ter o filho. Por isso eles prepararam o burrinho, umas poucas mudas de roupa, uns paninhos pro bebê que podia nascer a qualquer momento. E a partir daí, cada um com seu cajado para se apoiar nas passagens mais difíceis, pegaram a estrada, ou melhor, o rumo!, para Belém. Já que estrada mesmo não havia. Estamos falando de 2025 anos atrás, gente. Claro que não tinham feito reserva em hotel, pousada ou albergue. Não havia Bancorbrás nem Airbnb naquela época, meu povo. Saíram batendo de porta em porta mas encontraram todas as pensões lotadas. Claro: tal como eles, todo mundo tinha ido se registrar no recenseamento. Não havia acomodação. Fazer o quê? Maria já começava a dar sinais do parto iminente.
A saída foi aceitarem o convite para se ajeitar num estábulo, um curral pra usar uma linguagem do nosso dia-a-dia. Era o único espaço disponível, por isso tiveram de ficar ali, misturados a bois, cavalos, ovelhas. Com o cheiro de seus respectivos cocôs e xixis. E parece que os estábulos eram construídos em grutas, porque há algumas citações neste sentido. Tem até uma música natalina que diz: “Eis na lapa – sinônimo de gruta – Jesus, nosso Bem”.
É bom lembrar que José era um carpinteiro, desses que cortam madeira bruta pra fazer uma cerca, um mourão de curral, um assoalho ou uma porta rústica. Não era marceneiro, que é o profissional que fabrica móveis, esculpe peças elaboradas de decoração, cria objetos úteis para o dia-a-dia, como gamelas e martelos de madeira usados pra amaciar a carne. Não teve a chance de se especializar. José era muito, muito pobre. Ele percebeu que o único móvel disponível por ali, se é que se pode chamar de móvel, capaz de receber um recém-nascido, era a manjedoura, isso que por aqui a gente chama de cocho, onde se põe ração pros bichos comerem. Maria forrou o cocho com algumas palhas, envolveu o menino nos paninhos que havia trazido e estava pronto o berço do filho de Deus. Ali mesmo Maria deu à luz, sabe-se lá em que condições. Parteira? Qual! Ginecologista? Mas nem!
Fazia frio naquela noite, embora não nevasse nem chovesse. Tanto que alguns relatos dão conta de que foi o bafo quente do burrinho e da vaquinha que estavam na estrebaria o que garantiu o calor para aquecer o recém-nascido.
Toda essa simplicidade contrasta diretamente com a ideia de que aquele menino era Deus. Ora, Deus pode tudo, é onipotente. Se desejasse, poderia ter mandado seu filho nascer num palácio, com toda a pompa e conforto, com dezenas de empregados à disposição, ricos perfumes, óleos raros e especiais, roupas delicadas e bem costuradas, ornadas com sofisticados bordados e tudo o mais.
Mas não. O menino veio ao mundo da forma mais simples e pobre, como se Deus quisesse dizer: olha, gente, não é a riqueza, gente! Não é a riqueza! Aprendam logo: felicidade rima é com… simplicidade. Esse foi o recado. Mas parece que até hoje pouca gente entendeu.
Por isso espanta e aborrece ver representações do Natal com José e Maria vestidos com roupas finas e vistosas, cheias de pedras preciosas, ao contrário de tudo o que a Bíblia revela. É bom repetir: o menino veio ao mundo numa noite fria, foi deitado num cocho forrado com palhas e enrolado nos panos pobres que a mãe havia levado na viagem difícil que fizeram até Belém, onde foram se registrar, a mando do Imperador César Augusto.
Natal, portanto, é recomeço, recriação, renovação. Renovação pela sim-pli-ci-da-de. Pela humildade. Pelo contrário da ostentação. Ora, se o próprio Deus, para quem crê nos ensinamentos da Bíblia, não quis riqueza para seu filho e o fez nascer na mais absoluta pobreza, por que se haveria de celebrar seu nascimento com pompa e riqueza, com ostentação, brilho e desperdício?
Neste instante em que as famílias se encontram em festa, e se abraçam, e se beijam e trocam presentes, eu quero convidar a todos para que façamos uma reflexão sobre a importância da simplicidade e do desapego. Porque se há alguém a quem nós podemos e devemos imitar é o próprio Deus. E se ele próprio ensinou que o caminho é o da simplicidade, quem haverá de duvidar dele?
Portanto, vamos nos abraçar e nos beijar, esquecer o que nos separa e celebrar os valores maiores desta vida – o amor, a fraternidade, a caridade, a SIMPLICIDADE, o afeto, o carinho, o respeito às diferenças, a tolerância e a certeza de que uma manjedoura simples, numa noite fria de Belém, onde um menino foi deitado há mais de 2 mil anos, tem mais a nos ensinar do que dezenas de tronos de ouro, escolas e professores de escolas caríssimas, centenas de universidades famosíssimas, milhares e milhares de livros. Esta sim, é a nossa festa! Nosso bem maior: o bem-querer que nos une e nos aproxima.
Feliz Natal a todos!
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