Dancinha na internet é fútil, é lixo cibernético? Ou é cibercultura na visão de Pierre Lévy, a vida mais rica, duplicada e divertida?
Como podemos fazer da internet um lugar de aprendizagem, de forma ubíqua, em tempo real, em rede, de maneira livre, espontânea, com interações divertidas, descontraídas, muito além do real? Não, dancinha não é pecado. É expressão e empoderamento, se essa for a sua mensagem.
Jornalista também leva puxão de orelha. Eu fui chamada de preconceituosa só porque disse que dancinha no Tik Tok era algo, urghhh, não muito legal.
Pois a Edméa Santos, investigadora, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e profunda conhecedora das mídias sociais, me abriu os olhos para uma nova possibilidade de interpretação do que as pessoas estão fazendo na internet.
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Cibercultura é conhecimento coletivo, criação humana, a ocupação de novas dimensões da vida, uma construção antropológica de arte, literatura, comunicação, onde a dancinha é arte, é cinema, é moralidade e criatividade.
Veja bem, a internet tem até mesmo a netetiqueta, na tradução de Edméa.
“Tem ética na internet? Tem etiqueta, e que moralidade a gente deve lançar mão? Inicialmente, a gente ouviu falar em Netetiqueta. Escrever com letras maiúsculas dá a impressão que você está berrando no mundo virtual. E outras que havia na primeira fase. Muita gente confunde a vida do real e do virtual. O próprio Pierre Levy nos ensinou que o virtual não se opõe ao real. O real é exatamente essa combinação de virtual, que são os processos criativos, e o atual, aquilo que ganha materialidade formal. Quem se opõe a quem? É o virtual com relação ao atual. Nem sempre aquilo que a gente idealiza chega a se atualizar. Aulas mecânicas, que a gente repete o mesmo plano de aula por exemplo muitas vezes são processos de atualização que não passam pela virtualização. Não tem mais sentido separar situações virtuais de situações à distância. A vida online é a vida como ela deve ser ”.
Edméa explica que a vida online é exatamente como ela deve ser… na vida real, no face a face. Devemos ser éticos, profissionais, estéticos, autênticos, devemos ser como somos, sem anonimato, sem máscaras ou esconderijos.
Os perfis falsos, segundo Edméa, são uma oposição à identidade reforçada e amplificada que o ciberespaço permite, que nos afirma e reafirma como somos!
Por isso, seja mais ético, estético e político, ainda que polêmico! Seja curioso e busque o universo de oportunidades que a internet oferece, sem falsas promessas do charlatanismo digital. Ninguém vira influencer digital do dia para a noite!
Edméa explica que internet e educação podem andar de mão dadas na cultura digital.
“O que eu diria para um jovem sem emprego, sem dinheiro e sem ajuda? Como o ciberespaço pode te ajudar a encontrar um lugar ao sol? O que eu sempre falo para os meus alunos na universidade laica e gratuita que eu trabalho e que acolhe quase 2 mil alunos pela assistência estudantil e: é ali que as pessoas moram, se alimentam, habitam, tem direito à cidade, acessam espaços universitários… se alimentam. E eu sempre digo, é preciso buscar a educação sempre. É através da escola pública, das associações de bairro, dos pré-vestibulares, das comunidades, das bibliotecas públicas que temos acesso ao bem comum. Por isso a nossa pesquisa é sempre ativista”
Essa riqueza cibernética, por exemplo, compõe o caldeirão para que possamos vir a ser, um dia, quem sabe, um influenciador digital, como explica Edméa:
“Os influencers, por exemplo, são jobs, atividades de trabalho, é preciso ter foco, nicho, saber que linguagem, um processo formativo, que pode acontecer na própria prática, mas que a gente recomenda que o ciberespaço seja uma rede educativa responsável. Não estamos mais em tempo de oposições, eu prefiro trabalhar com a noção de uma rede educativa empoderando a outra.”
Podemos dizer então que o digital faz a ponte entre o real e o virtual, em que temos uma vida social, uma família, uma comunidade, tomamos decisões, executamos tarefas, discutimos temas importantes e votamos. E onde entra a dancinha nisso tudo?
Pois é, as dancinhas são um espaço onde a mulher, assim como os jovens, as minorias, os pobres, as pessoas sem voz e sem vez, podem ver e ser vistas, podem construir uma narrativa do permitir-se e do expressar-se sem medo, sem julgamentos, sem importunar ninguém, mostrando ao outro que o espaço cibernético pode ser, sobretudo, democrático, conforme nos reporta Edméa.
“É muito importante não analisar o conteúdo das redes de maneira preconceituosa. Aqui foi citado o fenômeno das dancinhas. Em princípio, pode parecer futilidade, mas nós que pesquisamos nas redes observamos que muita gente consegue mobilizar processos de subjetivação nunca antes visto, como o empoderamento feminino. Durante muito tempo, o corpo das mulheres foi analisado como objeto, a objetificação dos corpos, e isso é real. Só que as mulheres, principalmente as de periferia, elas nos ensinam que este mesmo corpo, objetificado pelos homens e pelo patriarcado, pode ser usado como interface de empoderamento. Então muitas vezes aqueles fenômenos que nos parecem fúteis são um convite a repensarmos muita coisa, inclusive os processos de subjetivação”
O Papo de Futuro quer instigar as pessoas a terem uma visão crítica do sistema. Olhar, desconfiar, dança e expressar. Tik Tok, Facebook, Instagram! A TV tem coisas piores que a internet. E a internet tem coisas piores que a TV. Eu vou terminar com uma frase da Edméa, apenas uma a mais: “todo conteúdo lixo, nas mãos educadoras, pode ser o conteúdo para uma ação/educação emancipadora”.
A gente fica por aqui hoje. Sem dancinha!!!
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