Lúcio Lambranho, enviado especial
Brasília e Manágua (Nicarágua) – Entre 1980 a 1990, os sandinistas comandaram os combates aos contrarrevolucionários bancados e treinados pelos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, milhares de jovens de todo o mundo trabalhavam como voluntários na reconstrução do país centro-americano.
Os guerrilheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) e do recém-criado Exército Sandinista combatiam os Contras no sul e no norte do país. Os jovens apelidados de “brigadistas” colhiam café em fazendas do estado e ajudavam na campanha nacional de alfabetização.No início dos anos 80, cerca da 70% da população da Nicarágua viviam sem saber ler e escrever.
Jovens brasileiros ligados a movimentos políticos tiveram destacada atuação como brigadistas. A presença deles na Nicarágua foi usada como justificativa pelo governo dos Estados Unidos para barrar um empréstimo pedido pelo governo Sarney no Banco Mundial (leia mais). Nesta reportagem, mais uma da série Nicarágua 30 anos, o Congresso em Foco narra a experiência de três brasileiros que atuaram como voluntários no país centro-americano naquela época.
Beto Almeida já trabalhava como jornalista na Empresa Brasileira de Notícias (EBN) e tirou quatro meses de licença para ir ajudar os sandinistas entre o final de 1986 e o início de 1987. Numa das Unidades Produtivas do Estado (UPEs), Beto trabalhou na colheita de café com outros 105 brasileiros, que formavam uma das maiores brigadas de voluntários internacionais na região de Matagalpa, no centro-norte da Nicarágua.
Todos acordavam às 5h da manhã, tomavam café preto com tortilhas, o mesmo cardápio servido no almoço e nos jantares com um pouquinho de arroz. Os voluntários usavam instalações sanitárias muito precárias, mas não faltava água e era possível tomar banhos em cachoeiras na região de montanha.
Essa brigada viveu três meses na fazenda de La Pintada, uma das UPES nacionalizada pelos sandinistas depois que o dono, um latifundiário, fugiu na ofensiva final da Revolução Sandinista, em 1979. “No ano anterior eles tiveram muitos problemas nessa região com os ataques dos Contra. Tanto é que, de noite, nós escutávamos os combates, mas nós nunca pegamos em armas”, relembra o jornalista.
“Em muitos momentos os sandinistas chamavam a mim e a outras pessoas quando havia uma situação de alerta e me pediam para tocar violão e manter o pessoal sem dormir. Poderíamos ter que fazer uma evacuação a qualquer momento. Matagalpa era um dos alvos desses ataques dos Contras”, explica Beto.
A colheita do café era uma questão fundamental na Nicarágua, pois os homens estavam na frente de batalha e o país precisava reorganizar a exportação do produto. Essa ação era combinada com um esforço de alfabetização dos campesinos que viviam junto às unidades produtivas onde os brigadistas trabalhavam.
Cerca de três mil professores cubanos ajudavam na alfabetização. Também chegavam a todo o momento ajuda dos países comunistas do Leste Europeu. “Quando eu estava lá chegaram, por exemplo, três navios carregados de livros em espanhol da antiga União Soviética. A Alemanha oriental mandou um hospital pré-montado”.
Apesar da proteção dada pelos sandinistas, os brigadistas brasileiros tinham a impressão de que a Nicarágua poderia ser ocupada a qualquer momento pelos Estados Unidos. “Havia sempre a suspeita de invasão pela grande presença de militares norte-americanos na base de Cana Longa, em Honduras, que é a base de onde eu acho que partiu esse golpe militar de agora em Honduras”, acredita o ex-voluntário.
“Nós tínhamos a clara realidade de que corríamos risco de vida. Todos os dias tinham atentados e morriam jovens, sobretudo professores. E no dia que nós chegamos, a rádio dos Contra fez um pronunciamento contra a brigada dos brasileiros. Nos chamaram de comunas e que nós iríamos pagar pelo preço de trair a democracia e tentar fortalecer o regime comunista dos sandinistas”, relembra o jornalista ex-brigadista na Nicarágua.
Brigada Henfil
Cleonice Dorneles, funcionária pública federal em Brasília, esteve em 1987 na Nicarágua por três meses em outra brigada brasileira, mas também em Matagalpa. Assim como Beto Almeida, ficou numa Unidade de Produção do Estado (UPE). Junto com outros 25 brasileiros, Cleonice fez parte da brigada Henfil, homenagem ao cartunista brasileiro que combateu com seus traços de chargista a ditadura militar no Brasil.
Segundo Cléo, como ela ficou conhecida entre os brigadistas, a brigada brasileira era apartidária, mas grande parte dos brasileiros voluntários tinha simpatia pelo PT. A ex-brigadista faz essa ressalva, pois no mesmo período atuou na Nicarágua uma brigada com 14 brasileiros do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), organização brasileira de esquerda, de orientação marxista-leninista e que participou do combate armado ao regime militar.
As brigadas brasileiras eram formadas por meio do Fórum de Comitês de Solidariedade aos Países Subdesenvolvidos. Em Brasília, a Casa de Amizade Brasil-Nicarágua mandou mais três pessoas como voluntárias, além de Cleonice, para o país centro-americano.
Muitas festas foram feitas pelo grupo para pagar as despesas de parte dos brigadistas que não tinham condições de arcar com passagens aéreas, e para arrecadar material didático levado para as campanhas de alfabetização no país da América Central. Eram famosas, nos anos 80, campanhas como a “Doe um Lápis para Nicarágua”. “Eles não tinham acesso à educação e isso já foi passado pelos brigadistas do ano anterior que chegavam ao aeroporto e eram cercados por meninos que pediam lápis ao invés de esmolas”, explica Cleonice.
Os brasileiros da Brigada Enfil ficaram nos primeiros dias em Manágua numa escola de formação, próximos de jovens de toda a América Latina e no mesmo local onde se concentravam 800 voluntários do mundo inteiro, até dos Estados Unidos, país que naquele momento patrocinava os ataques ao recém-criado governo sandinista, instalado após a derrocada da ditadura somozista. “Os americanos mandavam brigadas enormes, com mais de 200 brigadistas, muito conscientes e todos de esquerda. Aí a gente tomava consciência de que o problema era o governo dos Estados Unidos e não do povo norte-americano de maneira geral”, relembra Cleonice.
De guerrilheira a médica
Na Unidade de Produção Estatal (UPES) de Las Rosas, em Matagalpa, já bem perto da frente norte e da guerra com os Contras, a rotina de Cleonice foi quase a mesma de Beto Almeida. “Acordávamos às 4h, chovia o tempo todo e fazíamos a formação militar ainda de noite. Tudo isso era duro. Dormíamos de roupa militar para, em caso de qualquer problema, evacuar a fazenda”, explica.
“Nós escutávamos rajadas de metralhadores o dia intei
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