Escrito por Gisele Agnelli em parceria com Thomas Chi (cientista de dados e publicitário NY/USA)
O tom desta eleição tem sido caracterizado pelos eleitores “double haters”, insatisfeitos com as candidaturas tanto de Biden quanto de Trump. Neste contexto, a mudança da chapa Biden-Harris para Harris-Walz mudou completamente a dinâmica do jogo e, num curto espaço de tempo. Kamala Harris energizou o eleitor democrata e mostrou-se uma excelente “terceira via” para os eleitores independentes ou, em alguma medida, desanimados com Trump vs Biden.
Segundo pesquisa Ipsos/ABC News deste domingo (18), Kamala tem 49% das intenções de voto contra 45% de Trump, entre os eleitores que pretendem votar, a vantagem da candidata fica acima da margem de erro que é de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos. No entanto, esta vantagem no voto popular ainda precisa se refletir nos Estados-Chave, os Estados mais competitivos dos EUA. Harris precisa conquistar os 270 delegados necessários no Colégio Eleitoral, onde as campanhas se mostram extremamente competitivas. Seguem os números no Estados-Chave:
* pesquisa Ipsos/ABC News (%). A margem de erro é de 4 pontos percentuais para mais ou para menos.
Kamala se destaca, com mais eficiência que Biden, em todos os perfis demográficos de eleitores tradicionalmente democratas: afro-americanos: 70% Harris vs 13% de Trump (Biden tinha 64% neste perfil em Julho); mulheres (era 42% para Biden subiu para 59% com Harris); bem como entre os eleitores com diploma universitário e mais jovens (18-29 anos) (Fonte: Pew Research Poll).
Há uma comparação demográfica interessante quando analisamos a primeira eleição de Barack Obama com a atual, entre os mais jovens. Em 2008, os millennials aptos a votarem representavam cerca de 10% da população americana e 66% dos votos deste grupo foram para Obama. Quase 7 de cada 10 votos dos eleitores estreantes foram para o democrata. Agora em 2024, a geração Z representa 11% da população americana e este número é ainda mais elevado em alguns dos Estados-Chave.
Os democratas sabem da importância desse eleitorado mais jovem, mais propenso a votar em candidatos democratas, conforme ocorreu nas últimas 4 eleições presidenciais. Biden enfrentava um grande desafio entre os jovens, que agora, parecem ser uma força para Kamala. A campanha democrata tem recentemente utilizado-se muito mais de mídias como Tik Tok e até mesmo do Truth social, plataforma de Trump, e de músicas de artistas pop como de Beyoncé, Rapper Quavo, Charli XCX.
Kamala tem atraído multidões para seus comícios, comparados a níveis de empolgação de Super Bowl ou shows de artistas pop, maiores que as multidões da era Obama. Parte deste entusiasmo com a candidatura de Kamala se explica pela possibilidade de, pela primeira vez na história, uma mulher negra ter chances de tornar-se Presidente dos EUA, mas vai muito além deste fato.
Kamala parece ter encontrado o caminho das pedras em termos de linguagem, utilizando-se de uma comunicação assertiva, com uma boa dose de humor, e uma pitada de ironia, sem ser ofensiva, tem deixado Trump deslocado. A forma com que Trump costuma dar apelidos jocosos para seus adversários, como “sleepy Joe” (Joe dorminhoco) ou “Crooked Hillary” (Hillary corrupta), simplesmente não está “colando” contra Kamala. Debochar de sua risada ou chamá-la de louca ou comunista.
A candidata democrata tornou-se uma voz importante na defesa dos direitos de acesso ao aborto nos Estados Unidos, criticando a derrubada de Roe vs Wade, como uma ameaça às liberdades individuais das americanas, argumento astuto que une liberais a direita e a esquerda do espectro político americano. Esta retórica argumentativa usada por Kamala é muito interessante, pois utiliza-se de um valor fundador da sociedade americana: do direito de liberdade de escolha dos cidadãos, argumento clássico tradicionalmente utilizado pelos Republicanos.
Tim Walz, seu vice, em sintonia fina com Kamala, num de seus discursos, expôs o viés autoritário da MAGA (Fazer a América grandiosa novamente) de Trump ao discursar “eu não preciso de ninguém me dizendo quais livros devo ler”. Eu não preciso de ninguém me dizendo que religião devo seguir…”. Este forte apelo à defesa das liberdades individuais, pode ser importante para empolgar eleitores que não estavam pretendendo sair de suas casas para votar, eleitores independentes, bem como mobilizar o tradicional eleitor republicano mais centrista. Esta mudança de estratégia na chapa democrata faz Harris oferecer ao eleitor uma nova visão de patriotismo aos americanos. Pauta que ficou por muito tempo no centro do movimento extremista MAGA.
Considerando-se que o último debate entre Trump e Biden literalmente derrubou Biden, o próximo debate em 10 de setembro (ABC News) promete. Trump, o primeiro presidente americano com diversas acusações criminais (inclusive condenado por suborno a uma atriz de filmes adultos) responde por acusações num processo federal por sua suposta participação no esquema de anular as eleições de 2020; enfrentará agora em debate uma ex-promotora pública experiente.
Com Kamala Harris os democratas voltam ao jogo. Trump pode se sentir o rei, mas no xadrez eleitoral norte-americano, a rainha parece se movimentar melhor. O “xeque-mate”? Ainda indefinido.
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