por Bernardo Barbosa Matos e Cyntia Carvalho e Silva*
Donald Trump será o próximo presidente dos EUA. Para aqueles que torciam contra, o momento é de aceitação radical. Aliás, o trumpismo levou a Presidência da República, o Senado e aparentemente a Câmara dos Deputados, bem como já tinha a maioria da Suprema Corte, que agora se consolidará com novas indicações. Trump tem condições e vontade para mudar muitas coisas nos EUA e manter outras como estão. Os elementos mais inflamatórios no discurso trumpista já são mais que conhecidos. Convém jogar mais luz em outros aspectos das promessas de Donald Trump.
Em primeiro lugar, a vitória de Trump é a vitória de um grupo de empresários do Vale do Silício, do qual o Elon Musk é apenas a face pública. É um grupo interessado em fusões e consolidações de empresas e em avançar as tecnologias da informação sem maiores regulações. O governo Biden resistia a parte dessas pretensões, principalmente em termos de fusões. O mundo no segundo mandato de Donald Trump verá big techs cada vez mais poderosas, a IA se desenvolvendo muito mais rápido do que num governo Kamala Harris, o que demandará cada vez mais energia, inclusive nuclear e baseada em energia fóssil. A “boazinha” Microsoft já tem planos para reativar a infame usina nuclear de Three Miles Island…
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Outra mudança radical será na dinâmica do comércio internacional, uma vez que Donald Trump prometeu uma elevação brutal das tarifas alfandegárias, como forma de estimular a indústria nacional (na contramão, aliás, do pensamento de parte dos seus apoiadores brasileiros). O mercado da América para os americanos! Isso seduziu muitos trabalhadores, pois entendem que mais indústrias e menos imigrantes significam maiores salários para eles. Isto é, ele dialogou com a realidade material das pessoas, prometeu prosperidade, tal qual Pablo Marçal, na eleição de São Paulo. Não é à toa que ele levou os estados swingueiros do Cinturão da Ferrugem. Quais lições podemos extrair dessa estratégia tão bem-sucedida?
Considerando que ele tem condições políticas de implementar essa agenda, e que essas tarifas sejam verdadeiramente altas, qual é o impacto disso para as empresas ao redor do mundo, seja na América Latina, seja na Europa? Os países se voltarão cada vez mais para a China, que atualmente se apresenta como uma grande defensora do livre comércio? A Volkswagen, em crise, já ensaia uma aproximação com as montadoras de carros chinesas.
Em termos de política externa, parece que teremos em breve o fim da guerra na Ucrânia e, por outro lado, a eternização da guerra de Israel contra o Irã. Mas o fato mais relevante talvez seja mesmo o fim da guerra na Ucrânia, que vai liberar uma grande quantidade de capitais — nos EUA, na China e na Europa — para novos investimentos. No caso da Europa, parte desses recursos deve ir para a reconstrução da Ucrânia, o que gerará muito lucro para as empreiteiras europeias, ajudando a reacender a cambaleante economia europeia. Afinal, toda a ajuda durante os anos da guerra precisará finalmente ser recompensada. Qual será a reação da Europa diante do aparente retorno dos EUA a uma postura diplomática mais isolacionista, como era frequente no período anterior à Segunda Guerra Mundial?
No caso da China, esses recursos deverão ser direcionados tanto para a reativação da economia interna quanto para a expansão do seu papel de patrocinadora do comércio internacional. Aliás, as notícias são de que, nos próximos meses, o Brasil deve aderir, em alguma medida, à nova rota da seda.
No caso dos EUA, esses recursos, bem como aqueles captados com as novas tarifas, devem ser redirecionados em parte, para financiar o corte dos tributos da classe alta e dos super ricos e para reduzir o déficit público a fim de manter a inflação sob controle mesmo com a elevação das tarifas.
O trumpismo promete reduzir o tamanho do governo federal, demanda essa que possui profundas raízes na história política estadunidense. Isso implica, na prática, em fortalecer os estados, já muito fortes na federação estadunidense, com resultados incertos para o futuro político do país, cada vez mais polarizado politicamente, inclusive em termos geográficos. As diferenças, por exemplo, entre California e Flórida serão cada vez mais marcantes.
E o que tudo isso significa para o Brasil? Politicamente, sem dúvida, a vitória de Trump fortalece os grupos relacionados ao trumpismo. Muito provavelmente, os temas centrais da nossa eleição presidencial de 2026 serão a segurança pública e a melhoria da vida material das pessoas, de sua renda e da sua qualidade de vida. Para qualquer dos postulantes aos postos de presidente e de governador, será indispensável deixar de lado os dogmatismos, escutar, aprender e refletir humildemente sobre quais são as prioridades das pessoas. Termos como “pobre de direita” ou “pobre premium” são nocivos para o debate público. Igualmente, rotular quem discorda de você de comunista ou fascista é infantil e não contribui para a melhoria da nossa sociedade. As pessoas não querem mais apenas sobreviver. Elas querem prosperidade, renda, respeito, dignidade e serviços públicos e privados de qualidade,.
Porém, a vitória do trumpismo tem impacto também no futuro da economia brasileira. Como o crescente protecionismo dos EUA impacta as nossas estratégias de exportação e importação e, por consequência, as nossas relações geopolíticas? Como o empoderamento das big techs e a hiperaceleração do desenvolvimento das tecnologias da informação impactam a pretensão de regulação desses temas por aqui, especialmente se considerarmos os enormes ganhos potenciais de efetividade na incorporação, por exemplo, da inteligência artificial ao setores público e privado? Por fim, o mundo de ontem não existe mais. É necessária a aceitação radical do mundo de hoje e de amanhã e agir no mundo com humildade e abertura, se quisermos legar um mundo melhor para nossos filhos.
* Bernardo Barbosa Matos e Cyntia Carvalho e Silva são fundadores do canal A Máquina Pública.
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