Pedro Rodrigues *
Nos últimos meses temos visto a delicada situação energética que a Europa vem enfrentando e as medidas extremas adotadas para amenizar os efeitos do problema. No mês de setembro, o governo britânico colocou um teto, cortando pela metade o preço da energia e do gás natural vendido para as indústrias, subsidiando o preço a um custo de 150 bilhões de libras pelos próximos dois anos. A Alemanha anunciou a nacionalização da Uniper, maior importadora de gás do país, responsável por operar 33 Gigawatts, para evitar a falência da companhia. Além disso, os ministros de energia europeus aprovaram os principais princípios de um plano de 140 bilhões de euros para combater os esforços de Moscou de privar a continente de gás natural.
Além das medidas emergenciais com um custo altíssimo para os cofres públicos e para a população, a União Europeia tenta atacar a crise aumentando a inserção de energias renováveis na sua matriz elétrica em 45% no total até 2030. Os Europeus veem a crise atual como uma crise dos combustíveis fósseis, causado principalmente pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia e não como uma crise energética, causada por uma matriz muito focada na transição e pouco na segurança energética.
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A realidade é que o mercado de energia elétrica europeu vem sendo marcado por um ritmo acelerado de penetração das fontes renováveis e por uma forte intervenção dos governos. Jogando para escanteio fontes de geração de energia que dão confiabilidade ao sistema como termelétricas a gás e nuclear aderindo ao discurso de ativistas ambientais mais radicais. O resultado? A Europa tem uma matriz elétrica cara, com pouca confiabilidade, intermitente e dependente de importações, como é o caso do gás russo. O erro de planejamento fez com que a segurança no fornecimento de energia europeia ficasse nas mãos de São Pedro e do presidente Vladmir Putin.
Existe uma grande dificuldade técnica de se operar uma matriz elétrica sem as chamadas fontes despacháveis, que consigam fornecer energia 24 horas por dia, sete dias por semana, trazendo segurança e pouca volatilidade de preços. Tradicionalmente, esse tem sido o papel das hidrelétricas com grandes reservatórios, da geração nuclear e das termelétricas a gás natural. Nesse sentido, para se ter uma maior inserção de fontes renováveis na matriz elétrica é necessário também a inserção da chamada energia despachável como resposta a intermitência natural das gerações renováveis.
Outras tecnologias vêm sendo e já foram desenvolvidas para solucionar o problema da intermitência das fontes renováveis. As baterias são uma realidade, mas ainda muito caras e ineficientes para estocar todo o volume de energia necessário para eliminar a intermitência. O hidrogênio verde e a amônia verde poderiam ser outra solução, mas ainda dependem de muita pesquisa e desenvolvimento para tornar esses energéticos competitivos. Novas hidrelétricas também poderiam ser uma opção, porém os recursos hídricos dos países do G20 são limitados e praticamente toda a sua capacidade já foi utilizada.
Portanto, fica claro que é necessária uma maior participação de fontes que deem maior confiabilidade ao sistema para um maior e mais saudável crescimento das fontes renováveis. Nessa equação, o gás natural assume um papel importante, pois é o combustível com as características mais claras para dar suporte e segurança, para equilibrar os sistemas elétricos em transição. Acontece que nesse momento, com os problemas causados pela guerra da Rússia com a Ucrânia e os embargos econômicos aos russos, a Europa ficou numa sinuca de bico, sem gás natural e sem saída, no curto prazo, para importar o produto no volume que atenda a demanda. Mesmo com todos os esforços de outros países produtores de gás natural como os Estados Unidos e o Qatar para atender a demanda. A crise está instalada.
Os europeus correm pelo mundo atrás de solução, mas aumentar os estoques de gás natural e, até mesmo, construir novas infraestruturas para importação levam tempo e tempo a Europa não tem. Enquanto isso, o mercado de gás natural global vai apontando o risco de escassez com o primeiro sintoma, escalada brutal nos preços. A consequência é grave crise econômica e profunda recessão que se avizinha no velho continente. O fato é que não existe solução fácil para a Europa nesse momento.
A crise causada pela explosão de preços do Gás Natural Liquefeito (GNL) na Europa fez com que o preço do energético em agosto de 2022 tenha atingido um valor próximo de 10 vezes mais caro que no mesmo período de 2021. Essa desarrumação nos preços não restringe a crise aos limites da área energética. O gás natural é matéria-prima para uma série de produtos, dentre eles, os fertilizantes, responsáveis por garantir a segurança alimentar não só da Europa, mas de todo o mundo. Para produzir fertilizantes nitrogenados 70% do custo é a molécula de gás natural, e, por esse motivo, o custo do fertilizante subiu 80% no mercado Europeu. O continente se vê numa escolha de Sofia entre aquecer as casas no inverno ou fabricar fertilizantes para produzir alimentos. Segundo a embaixadora da ONU, Cindy McCain, a crise causada no mercado europeu vai “nos forçar a tirar dos que estão com fome para alimentar os famintos.”
O Brasil passou por uma crise elétrica em 2021, que quase nos levou a um racionamento. Com uma matriz elétrica muito dependente do clima, enfrentamos a pior crise hídrica dos últimos 91 anos, e a consequência foi um aumento nas tarifas para evitar a falta de energia. O governo buscou saídas e apresentou soluções emergenciais para enfrentar a crise, evitando um racionamento. Mais o fato é que continuamos reféns do clima. Completam 20 anos que flertamos com o risco de falta de energia. A nossa boia salva vidas tem sido o baixo crescimento da economia e as térmicas. Não podemos transformar o setor de energia num ponto de estrangulamento ao crescimento econômico. A solução está em criar uma matriz elétrica cada vez mais diversificada, aproveitando a nossa vantagem comparativa como produtores de inúmeras fontes primárias de energia.
*Diretor Executivo do Centro Brasileiro de Infraestrutura
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