por Melillo Dinis do Nascimento*
Em dezembro de 2023, celebramos os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 1948. A DUDH e dois pactos – o Pacto Internacional para os Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – constituem a Carta Internacional dos Direitos. No caso dos países da nossa região, o Pacto de São José da Costa Rica e, mais nacionalmente, a nossa Constituição Federal dão profunda e permanente fundamentação ao acúmulo histórico desses direitos. É que as normas (em forma de documentos, todos necessários) são o resultado de um longo processo histórico de construção, afirmação e garantia dos direitos. Aliás, mesmo antes dessa confirmação por escrito, desde há muito os direitos humanos estão incorporados a uma realidade de lutas e de disputas em torno de seu centro principal: a liberdade e a dignidade!
São todos documentos muito importantes. Nessas datas, além de comemorar os esforços de países e pessoas em sua consolidação, recordamos que os direitos humanos são uma necessidade atual mais crítica do que muitos imaginam. Na modernidade, as três gerações de direitos humanos [para efeitos didáticos: 1ª geração (direitos civis e políticos) ⇒ 2ª geração (direitos sociais, econômicos e culturais) ⇒ 3ª geração (direitos dos povos, dentre eles o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado e à utilização do patrimônio comum da humanidade)], foram incorporados aos direitos da natureza, tão insurgentes quanto urgentes, com o objetivo da emancipação dos seres humanos e da natureza das amarras que violam as liberdades e das estruturas que massacram as dignidades.
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É nesse campo de novas tensões e de velhas intenções que a Amazônia nos oferece um duplo polo sob um mesmo horizonte: os povos amazônidas, da floresta, dos campos, das cidades e das águas, assentados em 8 países (mais o território da Guiana Francesa); e uma natureza exuberante e sensível, com suas muitas características e suas imensidões estonteantes. Numa retrospectiva, a região amazônica foi marcada por violações históricas e estruturais dos direitos, na qual registram-se elevados índices de violência, conflitos e degradação socioambiental que se desenvolvem em torno, principalmente, de questões territoriais, indicando que, mesmo em tempos atuais, ainda são constatados cenários remanescentes da colonização. E, nessas últimas décadas, em que podemos encaixar, simultaneamente, nos mesmos 75 anos da DUDH, a situação piorou.
As promessas da modernidade foram sistematicamente descumpridas. Nem os seres humanos se emanciparam, muito menos a “dominação” da natureza nos trouxe alento, mas destruição e morte, resultando numa crise ecológica e num estado de exclusão de milhões de pessoas, em todo o planeta, e de forma muito mais dura, os vulneráveis habitantes dos países periféricos. E a maior lição amazônica é que a exploração e a dominação das pessoas estão interligadas à exploração da natureza.
O Papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal, Querida Amazônia (2020), reproduz suas preocupações anteriores (como a Laudato Si’, 2015) e posteriores (como a Laudate Deum, 2023), em torno da ideia de um “bem-viver”. A Amazônia nos é apresentada como a realidade que reconhece e nos faz reconhecer todo um mundo em que somos hóspedes, não donos. Mesmo as pessoas humanas são parte de uma mesma criação, amada e sob o mesmo destino compartilhado. Para Francisco, se realmente queremos cuidar da nossa Casa Comum e melhorar o planeta em que vivemos, são imprescindíveis mudanças profundas nos estilos de vida, são imprescindíveis outros modelos de governança, produção e consumo.
O Papa nos convida para um sonho sucessivo (social, cultural, ecológico, eclesial) em que a natureza e os seres humanos são parte de um caminho concreto que nos permita transformar essa realidade que tanto nos mata. A Amazônia é dessas unidades que podem nos unir em torno dos direitos, humanos e da natureza, em uma manifestação plural e alegre que nos ofereça esperanças que nos permita superar os males que nos afligem. A Amazônia é a porta, a janela, a chave e o cenário. Ela pode nos oferecer um primeiro e próximo futuro de unidade e união. Até aqui não conseguimos. Mas a fé (pouca importa a sua denominação) é isso. Acreditar na criação e na criatividade, mesmo quando sopra o vento quente da devastação, enquanto trançamos os direitos e os deveres de todo o mundo, pois tudo está interligado!
* Melillo Dinis do Nascimento é assessor da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil)
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