Tendências, perspectivas, agenda, pauta, prioridades. O que esperar de 2024 em termos de tecnologia, comunicação e telecomunicações?
Temos várias pautas paralelas acontecendo, dependendo do prisma, dos interesses e do tamanho do poder de cada um dos atores.
2024 será tão intenso quanto os anos anteriores em termos de telecomunicações, isso é certo! Se as palavras fossem nuvens, certamente o nome “inteligência artificial” traria as nuvens mais intensas. Muito falado em 2023, na verdade, o tema avançou pouco em termos regulatórios, enquanto o uso da IA generativa, como o ChatGPT, avança sem muitas restrições éticas ou legais.
O que 2024 trará de novo é a briga do jornal New York Times para cobrar do ChatGPT o treinamento dos algoritmos com conteúdo jornalístico. Isso representa uma transposição do debate que ocorre na internet para o ambiente mais sofisticado dos modelos de linguagem de inteligência artificial. Ou seja, o jornalismo busca remuneração não apenas pelas redes sociais, devido ao seu conteúdo altamente acessado, mas também pelas plataformas de aprendizagem de máquina. Isso é de extrema importância e deve ser discutido no Congresso.
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Lembro que o PL 1354/2021 é um dos pontos críticos de discussão porque obriga as plataformas digitais a compartilhar receita publicitária com a mídia tradicional.
Rafael Grohman, brasileiro e cientista social que discute a precarização do trabalho em plataformas e é professor na Universidade de Toronto, relatou no podcast Código do Caos que as notícias desapareceram das redes sociais da Meta no Canadá, onde reside atualmente, após a aprovação da lei que remunera os intermediários de notícias digitais. As redes sociais, dominadas por danças e filtros de beleza, ficaram ainda mais pobres em conteúdo?
A questão dos direitos autorais do jornalismo foi o ponto mais destacado no PL 2630/2020, que aguarda votação na Câmara dos Deputados desde maio do ano passado, quando foi atacado pela campanha de desinformação patrocinada pelas plataformas no ambiente digital.
Embora trate de transparência, ética e combate às contas falsas na internet, as empresas como Alphabet e Meta, donas do Google, Youtube, Facebook e Instagram, resistem a mudar as regras do jogo devido ao lucro crescente. Conforme divulgado em 01 de janeiro, a Meta triplicou o lucro e anunciou pagamento de dividendos, o que levou suas ações a subirem 14%.
Como fica, então, a tentativa de regular as plataformas quando a saúde financeira dessas empresas está indo muito bem? Na semana passada, em 31 de janeiro, o presidente da Meta, Mark Zuckerberg, enfrentou uma das maiores humilhações da história ao ser questionado no Senado americano pela responsabilidade de não ter evitado a exposição de crianças de 13 a 15 anos a conteúdo sexual ou assédio em suas plataformas digitais. O senador Josh Hawley fez a pergunta crucial: “A Meta também compensará as famílias das crianças que sofreram danos devido ao uso viciante do Facebook ou à exposição a conteúdo pornográfico e abusos nas redes sociais, nas mãos de pedófilos”. O senador Graham disse: “Zuckerberg, você tem sangue nas mãos.” Mas quem decide as políticas desses plataformas não são os seus dirigentes, ou seja, os CEO da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), X (antigo Twitter), TikTok, Discord e Snap, que estavam sendo interrogados no Senado americano. Quem decide são os acionistas, e não os seus executivos, entende?
Portanto, a agenda da regulação da internet, ou seja, a responsabilidade das empresas lideradas pelo Google e Facebook quanto ao conteúdo nocivo na rede, continua sendo a grande agenda da comunicação convergente, e as empresas provavelmente não farão isso, porque as crianças estão entre as maiores consumidoras de produtos e de conteúdo digitais. Isso seria dar um tiro no pé.
Olha, já falamos de remuneração para empresas jornalísticas, de direitos autorais para uso do ChatGPT, e de responsabilidade das plataformas digitais em indenizar famílias de crianças que sofrem linchamento digital como a menina mineira Jéssica Vitória e assédio sexual na internet, além do fim da exploração comercial de crianças e adolescentes, denunciada pelo instituto Alana, como pauta urgente, prioritária e notavelmente atrasada para 2024.
Indução à automutilação e ao suicídio; crimes contra o Estado democrático; contra a saúde pública; racismo; violência contra a mulher; pedofilia e pornografia, são crimes que já existem. O que a regulação prevista no PL 2630 fará é responsabilizar as plataformas se não removerem estes conteúdos preventivamente. E por que isso? Porque só elas, podem fazer isso, de maneira instantânea, como a internet exige!
E já vejo que vou ter que fazer o programa número 2 para tratar da agenda de telecomunicações, como a assimetria entre o streaming, ou seja, a Netflix e outras, e as TVs por assinatura, e também a discussão sobre o fair share, ou seja, a assimetria de tratamento entre os provedores de rede de comunicação e os provedores de redes sociais e conteúdo, pois os primeiros pagam a conta dos investimentos, e os últimos apenas usufruem das redes sem pagar nada.
Mas há um fator primordial que condiciona tudo neste ano de 2024, para o bem ou para o mal, depende da coragem de quem está do lado de cá para enfrentar a força econômica e o poder político das plataformas digitais. E nós estamos falando das eleições municipais, que, é claro, serão fortemente impactadas com o uso das deep fakes, em que os vídeos ou áudios feitos por IA imitam perfeitamente as pessoas reais, como aconteceu com o célebre médico Dráuzio Varella falso, que vendeu produtos de mentira na internet. Imagina o estrago que o deep fake pode fazer na reputação de candidatos sérios nas eleições.
Na ausência de uma regulação feita pelo Parlamento brasileiro, o TSE já se adiantou e vai lançar duas resoluções, regulando a propaganda eleitoral na internet, e sinaliza com medidas duras, cassando a candidatura ou o mandato de quem usar fake news nas eleições, seja com uso de inteligência artificial ou não.
O consultor Roberto Carlos Pontes, da Câmara, afirma que a solução para termos eleições limpas é proibir a recomendação de conteúdo eleitoral durante os 45 dias de campanha. Por que isso é importante? Porque impede que as eleições sejam determinadas pelos algoritmos das plataformas, como aconteceu no famoso caso Cambridge Analytica, em que uma empresa de dados criou perfis falsos a partir de dados coletados ilegalmente do Facebook e, aparentemente, decidiu a eleição norte-americana em favor do presidente Donald Trump em 2016.
Ou seja, a agenda de 2024 é, mais uma vez, sobre quem vai controlar a economia, a política e os governos: se serão os Estados, por meio de leis e regras específicas, que valem para todos, ou se serão os termos de uso e a inteligência artificial embarcados nos algoritmos e no deep learning das empresas mais lucrativas do mundo, Alphabet/Google, Meta/Facebook, Apple, Amazon, Microsoft, dona da OpenAI.
Lembrando que o Supremo Tribunal Federal está aguardando a Câmara dos Deputados se manifestar sobre o art. 19 do MCI, o Marco Civil da Internet, que trata as plataformas como distribuidores de conteúdo, isentando-as de responsabilidade editorial sobre o mesmo.
É claro que o Brasil tem milhões de desafios nessa área da comunicação convergente, como discutir a neutralidade de rede, o acesso significativo ou real dos brasileiros à internet, a conectividade das escolas via 5G, a votação da lei que estabelece princípios para o uso da IA, como a proibição de vieses algorítmicos…
Mas o susto do “8 de janeiro” ressoa… ou seja, precisamos combater os massacres nas escolas que continuam acontecendo devido ao culto ao herói que viraliza nas redes sociais, a exploração do trabalho nas plataformas, à revelia da Constituição e das leis trabalhistas e os atentados ao Estado tramados nas redes sociais.
Esses eventos não deixam dúvidas sobre o que é realmente importante, urgente, relevante e necessário encarar em 2024… O que é para ontem… Afinal, a lição de “8 de janeiro” é: a democracia não pode esperar.
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