Alessandra Camarano Martins * e Fabiano Silva dos Santos **
“Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e em um momento histórico determinado, o que valham os juízes como homens. No dia em que os juízes têm medo, nenhum cidadão pode dormir tranquilo.” ( Couture)
Nesta quinta feira (17) o Supremo Tribunal Federal julgará as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54 que tratam da execução provisória da pena. As ADCs tratam da constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, c/c art. 5º, Inciso LVII da Constituição Federal, que estabelece: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”
Um julgamento histórico que pretende revisar entendimento da Suprema Corte de 2016 e que trará efeitos nocivos ou não ( a depender do resultado), que transcende a esfera criminal e que poderá afetar milhares de trabalhadores e trabalhadoras, aumentando a quantidade de desempregados no país que hoje já alcança a marca de 13,1 milhões (dados do IBGE), acrescido da quantidade de 24,1 milhões de trabalhadores por conta própria ( levantamento da consultoria IDados – publicada no Valor Econômico de 21/08/2019).
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Consta desta análise que “41,7% das pessoas ocupadas por conta própria vivem com menos de um salário mínimo por mês. Isso significa que existem atualmente 10,1 milhões de pessoas atuando como trabalhador por conta própria com rendimento inferior a R$ 998 mensais.
O retrato é mais dramático quando considerado o recorte de rendimento de R$ 300 por mês, o correspondente a R$ 10 diários. Existem hoje 3,6 milhões de trabalhadores por conta própria que recebem valor igual ou inferior a esse, o equivalente a 15% do total de autônomos. É menos que o necessário para comprar uma cesta básica em São Paulo (R$ 493,16).”
A análise sob a perspectiva dessa ressonância para o mundo do trabalho, da decisão da Suprema Corte, parte do artigo 482, alínea “d” da Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelece uma lista de critérios que autorizam o empregador a demitir o empregado por justa causa, modalidade de demissão que por si só já macula a vida profissional de um profissional.
“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(…)
- d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena.”
É de fácil constatação que na alínea “d” do artigo 482, não há menção sobre quais os tipos de condenação criminal que justifiquem a demissão por justa causa. Pode ser uma contravenção penal ou um crime hediondo. A interpretação é ampla e subjetiva e poderá ficar a critério do empregador analisar se aquela condenação é ou não motivo para uma demissão por justa causa ou mesmo do próprio julgador trabalhista em uma eventual reclamatória.
A demissão por justa causa, além de jogar a classe trabalhadora na lista de desempregados e desalentados, a coloca em situação de absoluta indignidade, pois não lhe possibilita o recebimento de verbas rescisórias, habilitação no seguro desemprego e saque do FGTS, que lhes permite o sustento até uma nova colocação no mercado de trabalho.
Ou seja: é submeter o trabalhador e a trabalhadora à fome e à miséria, além do alijamento da possibilidade de novo trabalho, pois terá a marca inapagável da demissão por justa causa por uma condenação criminal.
E as empresas serão implacáveis. Não contratarão. Ainda que a sentença penal não tenha transitado em julgado ou que haja uma ação trabalhista que derrube a justa causa aplicada, as marcas estarão cravadas em seu histórico de vida pregressa profissional que impossibilitará sua recolocação no mercado de trabalho.
Um registro que não pode ficar alijado desta reflexão são os casos de trabalhadores e trabalhadoras afastados em decorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional. Empregados e empregadas estáveis, que não podem ser demitidos, salvo por justa causa, após o término do benefício previdenciário. É de um ano a estabilidade após o aviso de volta ao trabalho, expedido pela autarquia.
Bingo!
Uma “excelente” oportunidade para que maus empregadores “se livrem” daqueles empregados estáveis, que porventura tiverem um processo penal em curso, sem nada lhes pagar.
Ou seja: se prevalecer a tese de que poderá haver execução provisória de uma pena antes do trânsito em julgado de decisão penal condenatória, significa não só um aumento substancial da população carcerária como também uma multiplicação em larga escala de trabalhadores e trabalhadoras no índice de desemprego e na miséria o que poderá, ainda que em tese, aumentar o índice de criminalidade no país e mais abarrotamento nas prisões, em um círculo cruel e absolutamente antissocial.
O valor social do trabalho é tábula rígida na Constituição Federal e dialoga com o princípio da presunção de inocência, para que impeça arbítrios cometidos por maus empregadores que não se intimidam em macular a vida profissional de um Ser Humano trabalhador que produz e que se sustenta e que sustenta outras vidas humanas.
Ao se riscar do texto constitucional a presunção de inocência estar-se-á banindo por consequência o respeito aos valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana e com o núcleo medular do princípio fundamental da República Federativa do Brasil da prevalência dos direitos humanos.
A possibilidade de execução provisória da pena atingirá a coluna vertebral do direito do trabalho que é o fator protetivo. Com isso, dentre os trabalhadores e trabalhadoras desempregadas, estar-se-á nutrindo a possibilidade de demissões de trabalhadores estáveis.
A consequência?
O caos social
Um caos social que não poderá ser contido pelas entidades sindicais, pois já existe hoje uma asfixia, com alta intensidade, do movimento sindical, que vitimiza o espaço democrático, porque reduz ou anula até o poder reivindicatório indispensável para o avanço social.
E a justificativa é simples.
A grande maioria de dirigentes sindicais no país possui algum processo penal em curso por causa de greves e movimentos que lideram. Tudo isso dentro das inúmeras tentativas de criminalização dos movimentos através de um sistema de instalação do medo entre as categorias e seus líderes para que não se movimentem.
As legislações que vêm sendo criadas desde a malfadada reforma trabalhista que tramitou na Casa Legislativa sem o devido diálogo social e de forma açodada, até a atual PEC que pretende realizar a reforma sindical alterando o artigo 8º da Carta Cidadã, possuem como mote a desestruturação dos sindicatos, baluartes de defesa democrática e da classe trabalhadora.
Não é necessário um esforço hercúleo para imaginar quais as consequências para os dirigentes sindicais, nessa hipótese de desrespeito à presunção de inocência. Demissão por justa causa ( única hipótese de demissão de dirigente sindical e ainda com ajuizamento de inquérito para apuração de falta grave).
Alguns podem imaginar que o judiciário trabalhista poderá reverter essas demissões e garantir a estabilidade.
Quem poderá dar essa certeza?
Há uma insegurança jurídica que permeia todas as searas do Direito, nesta quadra que se vive de simulacro democrático, onde as próprias instituições são utilizadas para instalação de repressões e arbítrios sob a falsa argumentação de que tudo se faz em nome do povo, para o povo e pela vontade do povo.
É preciso estar atento.
A Constituição Cidadã deu relevo especial ao trabalho, reconhecendo-o como direito social fundamental e seus valores possuem preponderância na configuração da ordem econômica e em relação aos demais valores da economia de mercado, sendo proibido qualquer fator de retrocesso, que vem consubstanciado no artigo 7o da Carta Constitucional, que é retórica na defesa dos direitos fundamentais da classe trabalhadora, exprimindo textualmente a obrigatoriedade de melhoria da condição social.
Normas internacionais, das quais o Brasil é signatário, estabelecem compromissos de garantia de avanços no Mundo do Trabalho e proibição de retrocessos, normas essas abarcadas no conjunto constitucional, no título destinado a direitos e garantias fundamentais.
O Estado Democrático de Direito tem como fundamentos, dentre outros, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana que estarão absolutamente comprometidos caso não haja respeito ao que consta no capítulo de direitos e garantias fundamentais de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O Ministro Presidente do STF, Dias Toffoli em brilhante voto nos autos da ADC 43, derivado de seu absoluto compromisso com o Estado Democrático de Direito, que perpassa obrigatoriamente pelo respeito ás normas da Constituição Federal, fundamenta que:
“Logo, se não for hipótese de prisão em flagrante ou de prisão cautelar, não se admitirá a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, vale dizer, antes que se forme a coisa julgada penal. Coisa julgada penal é um termo inequívoco: imutabilidade dos efeitos da sentença penal condenatória. Trânsito em julgado, portanto, significa que se tornaram imutáveis os efeitos da sentença condenatória, pela preclusão ou pelo exaurimento do legítimo exercício do direito à interposição dos recursos cabíveis – sublinhe-se “legítimo”, para bem estremá-lo do ilegítimo, enquanto abusivo ou procrastinatório.
Nesse contexto, a execução provisória da pena, por tratar o imputado como culpado e configurar punição antecipada, violaria a presunção de inocência como “norma de tratamento” , bem como a expressa disposição do art. 283 do Código de Processo Penal.
Em sua interpretação literal, a presunção de inocência exige que o réu seja tratado como inocente não apenas até o exaurimento dos recursos ordinários, mas sim até o trânsito em julgado da condenação, o que é bem diverso. Daí porque interpretar trânsito em julgado como mero exaurimento dos recursos ordinários subverteria o texto legal, haja vista que não se concebe a existência do trânsito em julgado provisório: ou se exaure a legítima possibilidade de recorrer, e a pena pode ser executada, ou não se exaure, e a execução da pena é vedada.
Analogamente, o entendimento de que, após o julgamento dos recursos ordinários, a presunção de inocência se convolaria em presunção de culpabilidade colide frontalmente com o texto do art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
Com efeito, a presunção de inocência, por expressa disposição constitucional, subsiste íntegra até o trânsito em julgado.”
Qualquer decisão da Suprema Corte que não observe este princípio, golpeará a Constituição Federal em todos os elementos que garantem a igualdade, a liberdade, a dignidade e a democracia e certamente o Supremo Tribunal Federal não carregará essa mácula antidemocrática e inconstitucional.
* Alessandra Camarano Martins é presidenta da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) e membro do Grupo Prerrogativas.
** Fabiano Silva dos Santos, advogado, professor universitário, doutorando em Direito pela PUC-SP e membro do Grupo Prerrogativas.
> Julgamento da presunção de inocência: até onde o STF poderá chegar?
Com um trânsito em julgado durando anos e não raramente décadas, não existe de fato Justiça. Prisão após condenação em segunda instância sim!
A prisão em 2 ª instância é ridícula e afrontadora à Constituição Federal na cláusula pétrea referente ao art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal!! E em relação ao artigo 482 no qual é justificada a demissão do trabalhador condenado criminalmente é afronta ao direito de ressocialização e reabilitação penal, um grande absurdo aos direitos humanos de quaisquer cidadãos!! Tomara que prevaleça o bom-senso dos juízes do STF em derrubar a obrigatoriedade da prisão em 2 ª instância, os mais penalizados são os pobres deste país sem poder usufruir da presunção de inocência do processo criminal em juízo!!
Discordo plenamente. O trânsito em julgado só beneficia políticos e os colarinho branco, que nunca são julgados porque a ‘justiça‘ tarda e falha. E beneficia os advogados que vivem deles como parasitas. É uma vergonha! E você ainda tem coragem de falar em direitos humanos!
A imprensa deturpara os direitos humanos, no qual beneficia somente bandidos, o que não é verdade, no entanto, as ONGs de direitos humanos entre outras devem fazer mea culpa!! No tocante às prisões de 2 ª instância, Portugal, França e Itália permitem apenas o cumprimento penal após o trânsito em julgado!! Não vejo nenhuma reclamação fortíssima dos brasileiros sobre tal assunto, vejo que desejam bastante morar nestes países desenvolvidos; qual a impunidade denotada?? Agradeço pela sua opinião sem xingar-me de bandido, corrupto e tudo considerado imprestável, sempre os cidadãos terão opiniões diferentes que seja, mesmo sendo taxada de polêmica e absurdo!!
Onde o trânsito em julgado dura anos, ou até décadas, não há JUSTIÇA nem direitos humanos, simples assim. Aliás, o sentimento geral é que no Brasil não há JUSTIÇA.
Mas, Itália, França e Portugal cumprimento penal é apenas após o trânsito em julgado!! A sua querida senadora Soraya Thronicke defendeu que o Marcelo Álvaro Antônio recorra até o trânsito em julgado!! Com os outros defende que cumpra pena a partir da 2 ª instância!!! Cadê a coerência dela, hein?!?
Quando o trânsito em julgado demorar anos ou até décadas é claro que inexiste justiça. A condenação em segunda instância foi colocada justamente para evitar que os colarinho branco e os políticos ficassem processando ad infinitum sem nunca serem punidos. Prisão em Segunda Instância é exatamente um caso de JUSTIÇA e em favor dos direitos humanos!
Para ter justiça de verdade e de fato tem que existir celeridade, coisa que não temos hoje nem vislumbramos para algum futuro próximo. Ruim também é que os legisladores costumam legislar quase que exclusivamente em benefício próprio, em detrimento da justiça. Os advogados adoram o trânsito em julgado porque significa dinheiro nas suas contas.
E a tal condenação em 2 instância será derrubada em respeito pela Constituição Federal!! O placar poderá ser convincente, 7:4 aposto! A França, Itália e Portugal é somente após trânsito em julgado, não vejo quaisquer reclamações sobre estes países adotarem este tal sistema jurídico!!
Talvez seja que por lá a justiça anda. Aqui o trânsito em julgado demora anos, até décadas e isso não pode ser chamado de justiça porque NÃO É JUSTIÇA. O placar no STF pode ser o que quiser, nessa terceira ou quarta tentativa, mas JUSTIÇA não é com eles! Só levam essa ‘corte’ à sério aqueles que querem escapar da punição. Todo mundo sabe disso, inclusive você. Não temos justiça no Brasil esse é o fato, a não ser para o ladrão de galinha.
No tocante à justiça justa, deve haver mudanças primordiais, como a redução de recursos processuais–aqui temos 30, segundo levantamento dos juristas!!, redução ou abolição do uso de papel para cumprir mandados de prisões temporárias/preventivas/civis(pensão alimentícia), boletins de ocorrências, TCOs e audiências, investimentos de concursos públicos para juízes, promotores, defensores públicos, procuradores e oficiais de justiça, reformulação dos TRFs e TJs, colocando no mínimo 7 desembargadores para julgar casos com mais imparcialidade, aumentar o número do tribunal do júri, que é 7 para 12 e adotar o juiz de garantia além do juiz padrão!! A prisão deve ser em trânsito em julgado e ponto final!! Cláusula pétrea é sagrada demais para ser atropelada à toa, pois os mais pobres são maiores sofredores sem poder a quem recorrer contra injustiças!!
Bom, espero que este seja o meu último comentário a respeito porque você tem o seu ponto de vista que aparentemente não muda, e eu o meu que tampouco mudo. As mudanças propostas por você são bem interessantes. Deveria ter inclusive um tempo máximo para um processo ser julgado em última instância. Mas, enquanto isso tudo não acontece continuo considerando o sagrado trânsito em julgado uma balela existente unicamente para beneficiar os colarinho branco e os políticos. Não tem nada a ver com os mais pobres, antes pelo contrário! Eles não tem recursos para ficar processando, e suas demandas muitas vezes são urgentes e não comportam a vergonhosa espera e lentidão da ‘tal’ justiça.
Referente aos pobres de não poder recorrer, supostamente, deve haver pesados investimentos em defensorias públicas neste país para democratizar os recursos jurídicos cabíveis e assim evitar erros e vícios processuais, pois há tantos inocentes presos, sendo confirmadas as penas em 1 ª e 2 ª instâncias sem poder recorrer ao menos no STJ pela equivocada resolução aprovada por maioria em 2016!!
A boa e velha LUTA DE CLASSES… Agora entendo o motivo de um certo portal mandar e-mails pedindo ajuda financeira pra continuar no ar… ahhahahahahah
Fim das prisões em 2 ª instância JÁ!! Ninguém pode realizar desarmonias contra tal julgamento, no qual, supostamente, prevalecerá a verdade, doa a quem doer, mas, prisão somente esgotados todos os recursos é sagrado à Constituição Federal e verdadeiro, mesmo que haja críticas e ameaças, o respeito constitucional será restabelecido!!!