João Batista Damasceno *
Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria exploração de prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente suas atribuições. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me perguntar sobre bolso nas togas.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder por que — apesar de ter sempre lutado pela liberdade — o fascismo bate à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata livremente.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia, transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores que poderiam reforçar os laços sociais.
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Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se cometem em nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras de linguagem para justificar atos abomináveis.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas formal.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço.
Não me aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.
Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto.
Tenho vergonha de ser juiz em razão das minhas fraquezas diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de ver plena. Mas, eles passarão!
* João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Que lindo. Muito emocionante saber que há pessoas verdadeiramente merecedoras de respaldo!
Ao ler um depoimento como este, sua consequência e fazer com que ainda acreditemos no ser humano, pois temos pessoas com dignidade, honradez…alguém já disse: O MAL APARECE MAIS PELO ESTARDALHAÇO QUE FAZ E O BEM SEMPRE VENCERÁ O MAL, APESAR DE AGIR NO SILENCIO…O bem vem de Deus, portanto, pode demorar mas nunca falha e qualquer ato, feito para o bem, tem suas consequências benéficas e o mal, suas consequências maléficas. Disse o Cristo Jesus; “O escândalo ainda é necessário, mas ai de quem por ele vier”, portanto…Segue sua jornada, Meritíssimo, pois o Pai Misericordioso, Justo e Bom tem seu dedo apontado para todos, os bons e os ruins, recompensando com a felicidade os que praticaram a bondade e com a justiça indelével os que praticaram a iniquidade…
Parabéns Meretíssimo Dr. João pela sua lucidez e coerência e principalmente humildade no seu comentário, no último parágrafo sua escrita lembrou-me Rui Barbosa o tenaz Águia de Aia. O país necessita de centenas, milhares de togados com o seu pensamento, e espero que seu pensamento seja transformado em atitude, por pequena que seja mas é enorme perante a sociedade. Conte com o apoio de milhares de pessoas de bem!.
Muitos não conseguem entender que delações, denuncia favorecimento e corrupção contra Agripino Maia, ninguém foi preso e o lavajato no comando do Moro, prende como prendeu a cunha de Vacarri por engano, e o tesoureiro do PSDB não foi preso e receberam recursos das mesmas empresas, os recursos são carimbados. E o mensalão Mineiro PSDB, já teve prescrição e ocorreu antes do mensalão do PT, e o mineiro não nenhuma sentença condenatória, inclusive sendo o mesmo operador, o Juiz e pessoas de raciocinio mediano fica descrente com a justiça, fica com imagem de atuação partidária da justiça.
Parabéns pela sensatez, infelizmente alguns magistrados atendem apenas a elite e a grande imprensa , com mordomias á custa do Estado.
Infelizmente a Justiça de nosso País não está em consonância com a Moral.
Sabemos que, para alguns juízes estilo “bandidos de torga” (como disse a Eliana Calmon) acima de 6 dígitos, nem sempre prevalecem o que está nos livros de direito.
A idolatria do dinheiro, a cultura do materialismo do consumismo frenético, o egoísmo e o individualismo, fazem com que predominem, no sistema judiciário, no legislativo e no executivo, pessoas descompromissadas com a utopia/sonho da ética e da honestidade no serviço público.
Esse Juíz deve estar se sentindo impotente e decepcionado.
Mas não deve esmorecer, pois Cristo encontrou um ambiente muito mais “pesado” e “underground” que que esse que estamos vivenda agora. E emso assim fez a parte Dele.
Bola prá frente Sr. “Juiz do Bem”……..faça a sua parte. Mesmo não podendo mudar muito a superestrutura da “ordem estabelecida”, a sua ação individual poderá ajudar vida, ou vidas. Isso tem um imenso valor junto a Deus (conceito amplo do Amor Infinito).