As leis que tratam da responsabilidade dos advogados públicos, notadamente os advogados federais, são claras: o advogado público só responde se, na representação judicial dos entes públicos ou na atividade de consultoria, agir com dolo ou fraude.
O novo Código de Processo Civil estabelece, com clareza, que o membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções (artigo 184).
Da mesma forma, o artigo 38, parágrafo 2º, da Lei 13.327, de 2016, prevê que, no exercício de suas funções, os advogados públicos federais (advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores do Banco Central) não serão responsabilizados, exceto pelos respectivos órgãos correcionais ou disciplinares, ressalvadas as hipóteses de dolo ou de fraude.
Apesar da clareza das regras citadas, duas decisões recentes do TCU acerca da responsabilidade do advogado parecerista acenderam sinal de alerta na comunidade jurídica.
No processo 010.862/2018-8, o TCU declarou a responsabilidade de assessor jurídico decorrente de “erro grosseiro” na emissão de parecer em processo de licitação. O Tribunal definiu como incorrendo em erro grosseiro, “parecer jurídico que não esteja fundamentado em razoável interpretação da lei, contenha grave ofensa à ordem pública, ou, deixe de considerar jurisprudência pacificada pode, em tese, ensejar a responsabilização de seu autor se o ato concorrer para eventual irregularidade praticada pelo gestor que nele se embasou”.
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Já no processo 009.031/2012-0, o Plenário do TCU imputou a advogado público federal débitos milionários e multas pesadíssimas pelo simples fato de haver emitido sua opinião jurídica em pareceres jurídicos, que estavam amparados em informações das instâncias técnicas, quando ainda atuava na Consultoria Jurídica do extinto Ministério da Pesca e Aquicultura.
Em ambos os casos, os advogados foram responsabilizados sem que houvesse evidência de dolo ou de fraude, vale dizer, o TCU responsabilizou os pareceristas pela simples divergência teórica, em clara pretensão de “criminalizar” a prática regular da advocacia.
As referidas decisões acarretam clara violação à garantia legal da inviolabilidade do advogado parecerista. Pior, criam uma responsabilização ampla e discricionária, baseada em conceitos jurídicos indeterminados e fórmulas semanticamente vagas, em evidente prejuízo à segurança jurídica e à independência técnica do advogado público.
Em lugar de proteger o interesse público, a posição do TCU incentiva uma atividade de consultoria meramente “defensiva”, impedindo a construção de soluções jurídicas inovadoras e eficazes. Temendo ser responsabilizado de maneira desproporcional e arbitrária, o advogado parecerista tenderá a buscar simplesmente reproduzir decisões, não raras vezes contraditórias, do próprio TCU.
Ocorre que TCU não é órgão uniformizador do entendimento jurídico aplicável aos órgãos e entes representados pelos advogados públicos. Essa tarefa cabe às respectivas procuradorias. No caso dos advogados públicos federais, trata-se de atribuição legal do Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 4º, incisos X, XI e XII da Lei Complementar n. 73, de 1993.
Por conta disso, bem andou o art. 52, parágrafo 6º, da Nova Lei de Licitações, que se encontra em fase de sanção, ao estabelecer que o “membro da advocacia pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude na elaboração de parecer jurídico”.
Resta saber se o TCU aceitará a sábia escolha do legislador, ou se insistirá em substitui-la por critérios próprios, subjetivos de “razoabilidade”.
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