Sandra Terena, ex-secretária de Igualdade Racial do Ministério dos Direitos Humanos na gestão de Damares Alves e esposa do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, aparece em investigação da Polícia Federal por suspeita de manter como cuidadora de seus filhos uma funcionária comissionada da pasta. Essa mesma funcionária também prestava pequenos serviços para Sandra, como agendar manicure.
A funcionária morou com a família durante alguns meses enquanto, conforme dados do ministério, trabalhava no órgão. O serviço de internet da casa do casal, ainda de acordo com a investigação, está em nome dela. As informações também foram confirmadas pela ex-secretária à reportagem do Congresso em Foco.
A relação foi apontada no relatório da PF que integra o inquérito sobre atos antidemocráticos, do qual o ministro Alexandre de Moraes levantou o sigilo nesta segunda-feira (7). Eustáquio é investigado e chegou a ser preso em decorrência do inquérito.
Leia também
A comissionada é Ariane da Paixão, que assumiu a primeira função no governo federal em março de 2019, em cargo de direção e assessoramento superior. Ela foi exonerada em outubro de 2020 – pouco depois de Sandra Terena também ser destituída da secretaria pela ministra Damares Alves. O salário bruto de Ariane era de R$ 5.685, de acordo com a pasta.
Em fotos enviadas à reportagem por Sandra, ela e Ariane aparecem junto com Lulu, filha adotiva de Damares. “Nos fins de semana, ela sempre ficou com nossa família, inclusive com a filha da ministra junto”.
A PF anotou no relatório que Ariane e Sandra têm “possíveis relações interpessoais”, com base em conversas travadas pelas duas pelo WhatsApp, que constam no celular apreendido da ex-secretária. Um dos diálogos, ocorrido no fim de semana de 5 a 7 de outubro de 2019, indica que Ariane estaria cuidando dos filhos de Sandra e Oswaldo.
“Como estão os filhotes??”, perguntou Sandra, às 23h50 do sábado, dia 5. “O Ber esta domindo no meu quarto”, respondeu Ariane em seguida. “Que bom”, comentou Sandra. “Acho depois daqui vamos sair, ok?”. “Tranquilo”, disse Ariane. [A grafia foi mantida como no original]
No dia 7, uma segunda-feira, Sandra enviou mensagem durante o horário do expediente, pedindo para Ariane marcar manicure para ela. “Oi Sandrinha… Marco sim”, respondeu a funcionária.
De acordo com Sandra Terena, Ariane é uma “jovem preta, bisneta de escravos, que foi voluntária em Missões Paz no Haiti” e a “única servidora que tinha habilidade em Libras” na secretaria que ela comandava na época. Ainda segundo ela, a comissionada atuou na Coordenadoria de Comunidades Quilombolas escrevendo notas técnicas.
“Tratar esta jovem preta, hoje estudante de Direito, por babá ou faxineira seria uma espécie de racismo que tanto combati na minha gestão”, disse Sandra Terena à nossa reportagem. “Ajudamos muita gente em Brasília, que chegava para trabalhar no ministério e até achar um lugar para morar ficavam em casa. Sara Winter [ativista também investigada no inquérito] morou um tempo conosco […]. Tentam atribuir, de forma equivocada, uma função de babá ou algo parecido, só porque Ariane é preta.”
Eustáquio e Sara Winter são investigados no inquérito por suspeita de inflarem atos antidemocráticos, contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso. A PF sugere uma apuração mais aprofundada sobre a relação entre Sandra Terena e Eustáquio e comissionados do ministério de Damares, indicados por Sandra. Na quebra de sigilo bancário do blogueiro, apareceram transações monetárias entre o casal e os funcionários que ficaram mal explicadas.
Ariane, por exemplo, transferiu R$ 5 mil para o casal e ajudou a pagar um imóvel associado a eles. Em depoimento anterior à PF, Sandra disse que pediu o dinheiro emprestado à funcionária. “O valor foi devolvido para Ariane, ainda no ano passado, em um depósito da minha conta para a conta dela”, disse Sandra.
A ex-secretária também afirmou que conheceu Ariane ainda em Curitiba e a convidou para trabalhar em Brasília. “Esse grave ruído na comunicação pode se dar pelo fato de ela, nos fins de semana, ser responsável pelo departamento infantil da Igreja ICP Curitiba e depois na igreja que ela frequentava em Brasília, ministério (infantil) que foi importante para o seu trabalho com crianças negras em missão de Paz no Haiti, antes dela trabalhar conosco na Secretaria”, disse.
Sandra informou que o trabalho de Ariane na igreja citada ocorreu até 2018. As mensagens, porém, foram trocadas em outubro de 2019.
Sobre o agendamento de manicure, Sandra respondeu que seria “coisa de menina”. “Ariane, por ter vindo de Curitiba, morou por um tempo conosco. Tinha o seu quarto e consequentemente sua internet. Ela optou por contratar um serviço para ela, pois meu marido utilizava a internet principal da nossa casa para o seu trabalho como jornalista”, afirmou.
Ariane negou ser babá ou funcionária do casal bolsonarista. “Sandra e Oswaldo são muito generosos e até encontrar um lugar para ficar em Brasília, morei na casa deles.”, disse. “Eu trabalhava o dia todo na secretaria e à noite faço faculdade de direito”. Hoje, Ariane mora em Curitiba.
Após uma primeira explicação ao Congresso em Foco, Sandra afirmou que “tais mensagens foram obtidas de forma ilegal e criminosa” e reiterou não ser investigada nos atos antidemocráticos. Ela voltou a negar que Ariane seria a babá das crianças. ” Ela é nossa amiga e não ajudou, quem estava cuidando das crianças era a Tia Lili, responsável pelas crianças”, justificou. “Neste trecho, apenas perguntei para a Ariane como estavam as crianças, pois nos fins de semana, algumas vezes, as crianças assistiam a filme com as meninas.”
> PGR acusou parlamentares por atos antidemocráticos antes de engavetar caso
> MPF alertou sobre necessidade de investigar atos antidemocráticos recentes