O Brasil abriu suas fronteiras. Globalizou-se. Recebeu, de braços abertos, milhares de empresas transnacionais que nos vendem desde o leite de nossas próprias vacas até serviços básicos como energia elétrica e telefonia.
Curiosamente, apesar dessa globalização toda, ainda não tive notícias de que empresas brasileiras estejam a exercer papel tão extenso e relevante na economia de outros países. Devo estar mal informado. De toda sorte, isso é secundário. O que importa é que o brasileiro virou uma espécie de “cidadão do mundo”, ou, melhor dizendo, “consumidor do mundo”. Passou a integrar, orgulhosamente, a relação de clientes das grandes empresas do planeta.
Como em toda relação comercial, os problemas aparecem. Ora são consumidores norte-americanos insatisfeitos com a qualidade de algum produto que compraram, ora brasileiros colocados indevidamente no SPC e no Serasa, ora europeus protestando contra a impontualidade de algum serviço adquirido. Isto é perfeitamente normal – afinal, estamos falando de empresas que atendem por vezes bilhões de pessoas pelo mundo afora.
Assim, uma grande empresa norte-americana viu-se obrigada a indenizar em uns R$ 7,5 mil uma chilena que quebrou dois dentes ao comer um sanduíche com um pedaço de broca dentro. Talvez mais dolorosa tenha sido a experiência de uma estudante chinesa, mordida por um rato dentro de uma lanchonete dessa mesma empresa. Determinou-se que, por conta do ataque desse intrépido roedor, a chinesa deveria ser indenizada em uns R$ 550.
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Enquanto esses graves episódios aconteciam no Chile e na China, um cachorro norte-americano ganhou uns R$ 38 mil de indenização por danos morais ao ter tido a ponta de seu dente quebrada durante uma consulta veterinária realizada na Califórnia.
Claro, comparar cachorro com gente é impróprio. Então vamos a outro exemplo. Uma brasileira, vítima de preconceito racial por parte de seu empregador, uma grande empresa norte-americana, ganhou R$ 12 mil de indenização. Essa mesma empresa, por ter discriminado outra de suas empregadas nos Estados Unidos, foi obrigada a indenizá-la em R$ 11,3 milhões.
Há também o caso do laboratório norte-americano que vendeu, para brasileiros e norte-americanos, um dado medicamento que acabou associado ao aumento do risco de ataques cardíacos. Nos Estados Unidos, esse laboratório ofereceu um acordo de US$ 4,85 bilhões a 47 mil vítimas ou suas famílias. No Brasil, até onde acompanhei o caso, informou aos consumidores que eles seriam reembolsados no exato valor pago pelos medicamentos – menos de R$ 100.
Não se está a pregar aqui, e fique isto muito claro, a criação de nenhuma “indústria milionária de indenizações”. Apenas busca-se apontar que, dada uma “globalização” trombeteada aos quatro ventos, não dá para entender o motivo de os consumidores do Terceiro Mundo serem tão menos iguais que aqueles do Primeiro Mundo.
O fato é que talvez não estejamos levando em conta o imenso poder financeiro dessas empresas que aqui chegaram. Para elas, as migalhas que, no mais das vezes, desembolsam ao indenizar os poucos consumidores do Terceiro Mundo que se dispõem a enfrentar longos procedimentos após terem sido lesados nada significam.
Não sei por qual motivo, mas subitamente veio-me à mente uma famosa frase de George Bernard Shaw: “O maior dos males e o pior dos crimes é a pobreza”.
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