Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Márcio Salema na Rádio Câmara:
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A questão da proteção dos dados pessoais está por trás da briga entre o WhatsApp e a Justiça brasileira, da qual acabamos de assistir a mais um episódio. Qual o direito que o provedor de aplicativo tem para quebrar o sigilo da minha comunicação, que é um direito individual previsto na Constituição? A revelação à Justiça do teor de conversas pessoais também não fere o direito à privacidade e à intimidade, à vida privada, que são princípios básicos da nossa democracia? Não estaria aí a própria democracia sendo ameaçada, para usar uma expressão recorrente nos tempos atuais?
Na verdade, são enfrentamentos e questões que já estão mais ou menos equacionados nos tribunais brasileiros, mas que são expostas agora a público com um certo grau de perplexidade. No excelente artigo no Caderno Aslegis, o consultor Gustavo Artese diz que o direito individual do cidadão, como o direito ao sigilo e à privacidade, não é um valor absoluto, e deve ser confrontado com o interesse coletivo, da sociedade, em que se inclui o chamado interesse público. Ou seja, para se analisar o direito à privacidade é preciso fazer sempre uma ponderação de outros interesses, como a liberdade de expressão também assegurada na Constituição. No caso específico do WhatsApp, é preciso conformar o direito do cidadão com o interesse da sociedade em ver apurado um crime cuja apuração e punição é importante para assegurar a segurança da sociedade como um todo.
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O magistrado de Sergipe que determinou às operadoras o bloqueio do WhatsApp desta vez gostaria que o aplicativo, controlado pelo Facebook, repassasse à Justiça informações sobre uma quadrilha interestadual de drogas para uma investigação da Polícia Federal, pedido este negado pela empresa, sob a alegação de que as mensagens do usuário são destruídas por uma questão de sigilo, e seu conteúdo não é acessível pela própria empresa, porque passa por um processo de criptografia.
Na Câmara se discute, no âmbito da CPI dos Crimes Cibernéticos, até que ponto as empresas como o WhatsApp são obrigadas a retirar conteúdos da internet mediante pedido da pessoa que se sente ultrajada ou ofendida, sem a necessidade de ordem judicial. Entra nessa discussão o direito ao esquecimento, ou seja, será que posso ser lembrando para sempre por erros que cometi no passado, e pelos quais já fui punido de alguma forma?
Há uma grita geral quanto ao risco de se criar uma forma de censura prévia na internet, em que a memória da nossa história poderá ser apagada para beneficiar este ou aquele acusado. A Justiça entende que, sobre o direito de supressão de dados, devem prevalecer outros princípios fundamentais do ordenamento jurídico, como a liberdade de expressão e o acesso à informação.
O debate está apenas começando no Brasil, mas o fato é que o país precisa de uma lei de proteção de dados pessoais, e uma minuta já foi colocada em debate na própria internet, pelo Ministério da Justiça. Mas o debate caminha bem mais lentamente do que deveria. É preciso que se respondam questões como:
O que fazer quando alguém publica e viraliza uma informação sobre a sua infância? A notícia passa a circular como pólvora pela internet e aquilo não tem mais a menor relevância para o mundo, como fica? Como distinguir entre a informação que contribuiu para a formação da cultura e da história de um país e aquela que serve apenas para denegrir a minha imagem do cidadão?
Alexandre Sankievicz, competente consultor legislativo, questiona a validade de se deixar para os provedores de internet a competência por julgar o que é excessivo, irrelevante ou impreciso, como muitos defendem no debate da remoção dos conteúdos. Não seria esta uma tarefa difícil demais, bem como subjetiva, o que parece ser fato até mesmo para um magistrado, que tem a obrigação de fazer este controle a posteriori?
O consultor Sankievicz alerta para o risco de o direito a privacidade vir a ser usado como uma nova forma de censura, sendo que o ordenamento brasileiro já dispõe de leis sobre injúria, calúnia e difamação que são usadas de forma legítima ou, alguma vezes, deturpada no ambiente jurídico brasileiro. Uma lei de proteção de dados deve ajudar a equacionar conceitos como o direito à privacidade por um lado, a liberdade de expressão e o acesso à informação por outro.
Em se tratando da internet, não há dúvidas de que este controle deve ser feito à posteriori, ou seja, sem censura prévia e sem precipitação, por mais que saibamos da velocidade do alcance que cada informação pode adquirir na internet, por uma característica própria do meio. E que qualquer regulamentação desses direitos deve ser minimalista, sem deixar grandes lacunas, ou seja, uma regulamentação mínima, ágil e dinâmica, que permita uma análise caso a caso, sem tirar da internet seu maior mérito, a democratização do direito à comunicação.
Cabe lembrar que o Marco Civil da Internet, no seu artigo 7º, assegura, entre outros, os seguintes direitos ao internauta: inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurado o direito à sua proteção e à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inviolabilidade e ao sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de Internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de Internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, entre outros. A internet é um patrimônio de todos que precisa ser preservado, e não pode se confundir com uma terra sem lei.
Mande suas dúvidas e sugestões para papodefuturo@camara.leg.br
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.
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