Desatendendo à bela orientação do imortal Ariano Suassuna, a expressão inglesa lawfare entrou no vocábulo brasileiro com força irresistível, impactante e importante. Conhecida no mundo jurídico como sendo a guerra e o uso da lei e do Poder Judiciário para destruir direitos, pessoas e biografias, o termo popularizou-se no Brasil após a comprovada prática da Lava-Jato como instrumento judicial ideológico para perseguir, afastar do processo eleitoral e depois prender o presidente Lula e todo o pensamento político por ele representado.
Não é sem razão a preocupação da sociedade e das entidades criadas com a finalidade de combater o mau uso das leis e do Poder Judiciário. Afinal, para os defensores do lawfare pouco importa a destruição da Constituição, do Brasil, da economia, das empresas, dos empregos e das pessoas. O que vale como resultado é o completo aniquilamento do alvo escolhido, ainda que se utilizando de métodos ilegais, controvertidos, preconceituosos ou de puro elitismo de classe. No sistema em que a “ética dos meios” admite todos os meios contestados pela própria ética, não há perspectiva de um resultado justo e aceitável.
Não obstante a clareza dos males do lawfare, ele parece não incomodar quando utilizado para destruir um dos mais importantes direitos conquistados pela humanidade: o direito ao trabalho digno. A expressão criada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) segue não compreendida, vivenciada e rejeitada por várias instituições e personagens que tinham a obrigação de por ela zelar. Basta lembrar que quando o Congresso Nacional rebatizou a octogenária CLT com o nome de “Consolidação das Lesões Trabalhistas”, coisificando a classe trabalhadora, não encontrou resistência de instituições constitucionalmente legitimadas a defender a Justiça Social, a exemplo do STF, da OAB e o do Ministério Público Federal.
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Talvez a explicação para a omissão defensiva esteja no planejado afastamento do “Mundo do Direito” do “Mundo do Trabalho”. A famosa Academia e os intelectuais dela derivados sempre desprezaram a Justiça do Trabalho, o Direito do Trabalho e a classe operária como elementos fundantes de uma sociedade justa, livre, igualitária e solidária. Oferta-se poucos créditos para a disciplina Direito do Trabalho, enquanto raras instituições de ensino têm a matéria Direito Sindical ou Direito Coletivo do Trabalho. Ao secundarizarem os dois ramos do direito identificados com o conflito entre o Capital e o Trabalho – verdadeiro motor das mudanças ideológicas, políticas, sociais e comportamentais vividas pela humanidade – produzem-se inúmeros juristas de boa-fé, julgadores sem fé, legisladores com outras fés, políticos enfezados e empregadores felizardos que, juntos ou misturados, oram na mesma cartilha destrutiva do direito ao trabalho digno.
Julgar-se no direito de ter a propriedade do ser humano é peça chave para entender o lawfare contra o direito ao trabalho digno. Talvez seja essa a real explicação para a normalização da “coisificação da pessoa humana”. É que a apropriação do trabalho alheio era – e ainda é – garantia de poder, prestígio e riquezas. Coisificar a pessoa humana é página repetida no avançar dos tempos, desde a opressão-violenta através da matança e do aprisionamento de corpos humanos, passando pela opressão-pacífica através do aniquilamento dos direitos de proteção da classe trabalhadora. Embora ferindo de morte o Estado Democrático de Direito – posto na promessa da Constituição Federal de 1988 – segue a coisificação da pessoa humana viva e ativa na legislação, nas decisões judiciais, nas rodas jurídicas intelectualizadas e no mundo patrimonialista que rejeita o mundo do trabalho. O ter a propriedade da pessoa humana tornou-se, assim, o direito mais protegido no lawfare contra o trabalho digno.
Um bom antídoto ao retorno à servidão da Idade Moderna seria o governo do Partido dos Trabalhadores – fazendo jus ao próprio nome principiológico – combater o lawfare legislativo incrustado na atual legislação trabalhista. Da mesma forma, reforçar a visão protetiva do trabalho digno no preenchimento das vagas abertas para os mais diversos tribunais. E, sobretudo, não permitir que o Mundo do Trabalho seja um lugar estranho e inabitado no “Mundo do Direito”, ainda mais agora que a ministra Rosa Weber, única voz oriunda da Justiça do Trabalho, não mais integrará o quadro permanente do STF. Afinal, como ensinou Gonzaguinha: E sem o seu trabalho, o homem não tem honra. E sem a sua honra, se morre, se mata. Não dá pra ser feliz.
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