Em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), a questão do marco temporal tem acirrado os ânimos entre lideranças indígenas e o Ministério de Povos Indígenas. Nesta segunda-feira (14), em mais um capítulo de divergências, a pasta anunciou cinco representantes para darem seguimento à comissão de conciliação após solicitação do ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que se retirou das negociações, criticou as indicações em nota pública também na segunda-feira.
“As indicações encaminhadas pelo Ministério dos Povos Indígenas para compor a comissão de conciliação fazem parte do quadro de servidores de órgãos governamentais, portanto, deve ficar claro que não estarão lá em nome do movimento indígena”, protestou o movimento.
Durante audiência de conciliação, em 28 de agosto, os representantes da Apib, que apontam inconstitucionalidade na lei que institui o marco temporal, retiraram-se das mesas de negociação. Os membros que compõem a articulação declararam, entre outras reclamações, que direitos indígenas não são negociáveis. A despeito da saída, o Supremo levou adiante as audiências de conciliação. A última foi em 23 de setembro.
Em nota, a Apib retomou julgamento anterior da Corte sobre o marco temporal. A tese estabelece que os povos originários teriam direitos apenas às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988.
“A Apib lamenta profundamente que as instâncias autônomas dos povos indígenas ou entes públicos em que há participação indígena sejam pressionados a ocuparem colegiados contra a sua vontade, sobretudo em espaços nos quais não está garantido o respeito à lei e às decisões já tomadas pelo plenário da Suprema Corte, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, em setembro de 2023”, diz trecho da nota.
Por fim, a organização também aponta que a continuidade da lei “coloca os povos indígenas sob constante ameaça e violência”. Tal fato, aliado ao desrespeito à autonomia de vontade e aos direitos constitucionais, contribui para afastar os povos indígenas do debate. “Corre-se o risco desse espaço, que reúne os três poderes do Estado, desemboque num cenário de “desconstitucionalização” de direitos fundamentais, principalmente no que se refere aos direitos originários dos nossos povos sobre as terras”.
PublicidadeO Ministério dos Povos Indígenas definiu que “cumpre sua missão institucional de se fazer presente”. A indicação dos representantes foi feita com base no que a pasta classificou como indígenas especialistas e conhecedores das suas regiões. Ainda assim, afirmou que “os nomes não substituem a representação da Apib, cuja vaga segue à disposição da organização nos termos da decisão do ministro relator”.
“Temos a confiança de que, como guardiã máxima da Constituição, a Corte não permitirá retrocessos em relação aos direitos indígenas e este será um espaço de diálogo para avançarmos no debate em torno de soluções que assegurem os direitos originários dos povos em relação aos seus territórios. Desta forma, o MPI comunica que indicou cinco representantes que têm em sua trajetória um compromisso indiscutível com a garantia dos direitos indígenas”, acrescentou a pasta em nota.
Procurado pela reportagem, o Ministério de Povos Indígenas afirmou que “respeita e trabalha junto com o movimento indígena para ampliar suas conquistas e evitar retrocessos”. A pasta também afirmou que a indicação foi feita “após diálogo com a Apib” e reiterou que todos os indicados são especialistas.
Quem são os cinco indicados:
- Weibe Tapeba – Advogado e atual secretário especial de saúde indígena do Ministério da Saúde
- Eunice Xerexu – Professora e gestora ambiental, ela é atual coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Interior Sul
- Douglas Krenak – Líder indígena e coordenador Regional da Funai em Minas Gerais e Espírito Santo (CR-MGES)
- Pierlangela Nascimento da Cunha – Professora e membro de coordenação do Ministério da Educação focada em políticas educacionais indigenas
- Eliel Benites – Mestre em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco e professor auxiliar na Faculdade Intercultural Indígena