O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello defende que a Câmara suspenda o processo criminal contra o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) até que ele conclua o mandato como forma de solucionar o impasse criado pelo indulto do presidente Jair Bolsonaro ao parlamentar aliado. Marco Aurélio disse ao Congresso em Foco que não acredita que o Supremo ou Bolsonaro volte atrás em sua decisão. Na avaliação dele, mesmo com a suspensão da ação, Silveira terá dificuldade para obter o registro na Justiça eleitoral para disputar a reeleição ou concorrer ao Senado.
“Só vejo uma saída: a Câmara dos Deputados suspender o processo-crime, que ainda está tramitando, já que a Constituição prevê a suspensão da ação. A Constituição preconiza a harmonia e independência dos poderes, cada qual atuando em sua área. Não creio que o presidente retroaja, nem que o Supremo o faça”, declarou.
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O processo contra Daniel Silveira ainda não transitou em julgado, porque sua defesa ainda pode questionar pontos da decisão dos ministros. Os pedidos para suspender a ação contra Daniel Silveira foram apresentados em 18 e 21 de março pelo PTB e pelo PT. A Constituição permite que o Senado e a Câmara suspendam uma denúncia contra um parlamentar até a decisão final. Para isso, são necessários 257 votos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), preferiu não levar os pedidos adiante. Ele também segurou na gaveta por mais de nove meses a recomendação do Conselho de Ética de suspender o deputado do exercício do mandato. Na quinta-feira, um dia após a condenação do marido, a advogada Paola Daniel chamou Lira de “covarde” por não ter pautado a suspensão do processo.
Marco Aurélio também criticou a decisão do Supremo, que, na avaliação dele, não deveria ter julgado o deputado. “Há inviolabilidade de deputados e senadores por opiniões, palavras e votos. Isso é uma cláusula importantíssima da Constituição. Está no artigo 53 e visa à independência do parlamentar. Ante essa inviolabilidade, caberia extinguir o processo-crime e não ir adiante com isso. Assim não teríamos essa celeuma, o impasse que temos hoje”, afirmou.
O ex-ministro pondera que, embora os mecanismos do indulto e da graça estejam previstos na Constituição, não caberia ao presidente da República alterar uma pena determinada pelo Supremo Tribunal Federal. “A Constituição não prevê a cassação de pronunciamento do Supremo, que ressoa como caçação e não como cassação”, disse.
PublicidadeNa última quinta-feira, Bolsonaro editou decreto perdoando Daniel Silveira dos crimes pelos quais foi condenado a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo: incitação à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e coação no processo. Bolsonaro alega que o Supremo feriu a liberdade de expressão do parlamentar.
Diversos juristas, no entanto, ressaltam que a Constituição não garante a ninguém o direito de atentar contra instituições democráticas, como fez Silveira. Também questionam o fato de a graça (indulto individual) ter sido concedida antes de a condenação transitar em julgado, ou seja, quando não cabe mais recurso.
A palavra final sobre o indulto será dada pelo próprio Supremo, que analisa ações apresentadas pela oposição apontando inconstitucionalidade e desvio de finalidade na concessão do indulto. Enquanto isso, parlamentares governistas se articulam no Congresso para aprovar propostas que estendam o perdão a outros bolsonaristas, como o blogueiro Allan dos Santos e o ex-deputado Roberto Jefferson.
Daniel Silveira também foi condenado à perda do mandato e dos direitos políticos por mais de oito anos. De acordo com súmula do Superior Tribunal de Justiça, a concessão do indulto individual (graça) livra o deputado apenas da prisão e não altera sua inelegibilidade. O parlamentar bolsonarista foi condenado por dez dos 11 ministros do Supremo. Apenas Nunes Marques, indicado ao cargo por Bolsonaro, votou pela absolvição de Silveira.
Relator do processo e principal alvo dos ataques do deputado, o ministro Alexandre de Moraes refutou as alegações da defesa de que as ameaças do deputado foram feitas em momento de raiva. “Seja porque no momento da prisão em flagrante repetiu as ameaças, seja porque durante interrogatório repetiu e confirmou o que fez, seja porque hoje, inclusive, no plenário da Câmara repetiu ameaças e ofensas à Corte Suprema do país”, disse Moraes.
Daniel Silveira chegou a ser preso em fevereiro do ano passado por divulgar um vídeo com ameaças a ministros do Supremo. O deputado publicou um vídeo com ataques ao ministro Edson Fachin.
“Vocês deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação, convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí e vários também que já passaram não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitáveis, intolerável Fachin”, disse, entre outras coisas.
Ele também defendeu que a população “arrancasse a cabeça de ovo” de Moraes. A prisão foi decretada pelo próprio ministro no chamado inquérito das fake news. O deputado esteve preso entre fevereiro e novembro do ano passado por causa das ameaças. Moraes autorizou a substituição da prisão em flagrante pelo uso de tornozeleira eletrônica.
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