Daniel Giotti de Paula *
Roberto Jefferson foi preso preventivamente. Os “juristas” de ocasião, estes das redes sociais, opinam que o mundo foi abaixo, que o direito se foi escorrendo pelas mãos dos ministros do STF.
Alegam que existe uma ditadura de toga a nos ameaçar. Clamam por liberdade, logo alguns eles que dizem que a ditadura de 1964 era boa.
É esse o quadro que temos, quando, em verdade, aquela imagem patética do Roberto Jefferson, como um pistoleiro de “terra de Marlboro”, é uma coisa dantesca, brega, démodé.
Nós, os verdadeiros juristas, que gastamos nossa vida a tentar entender o direito, que não vem pronto como alguns podem pensar, estamos perplexos diante de pessoas como “Bob” Jefferson que querem matar a democracia por dentro.
Querem sim, porque são os primeiros a ajuizar uma ação, invocar o que julgam ser o direito posto, para defender seus atos que desestabilizam a democracia, quando não defendem seu fim, entoando loas às ditaduras. Direito só quando lhes convêm.
Vejamos bem o que a Polícia Federal apurou sobre Roberto Jefferson, constante do despacho que determinou a prisão dele: identificou-se a vinculação de Roberto Jefferson no escopo das investigações sobre milícias digitais “diante de reiteradas manifestações proferidas por meio de postagens em redes sociais e em entrevistas concedidas, demonstrando aderência voluntária ao mesmo modo de agir da associação especializada ora investigada, focada nos mesmos objetivos: atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização e de ódio; e gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da república”.
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Uma das motivações para prisão preventiva, lá no artigo 312, do CPP, está calcada na “garantia da lei e da ordem e conveniência da instrução criminal”, e se Roberto Jefferson está cometendo crimes tipificados na lei de Segurança Nacional, pela particularidade de os cometer pela via digital, ele solto e com acesso a computadores e dispositivos eletrônicos continuará na prática delitiva.
Simples assim: o direito pode permitir que alguém que esteja continuamente praticando crime fique solto?
A resposta é um sonoro não.
Não desconheço que haja juristas sérios que dizem que faltou à decisão fundamentar que a permanência de Jefferson em liberdade ponha em risco a sociedade e a instrução processual, mas me parece que, no caso, a forma como Jefferson pratica os pretensos crimes, viralizando posturas violentas e antidemocráticas nas redes sociais, deva ser levada em conta.
Ele, por exemplo, em live com vereador de minha cidade, Juiz de Fora, defendeu desobediência civil contra atos locais de restrições sanitárias e “pau na guarda” Civil da cidade, o que gerou veementes protestos dos guardas civis. Quantas lives mais e de mesmo tom ele tem feito?
Por isso, não dá para se passar por “inteligentinho e inteligentinha” e citar liberdade de expressão, como se estivéssemos à busca do “american dream” contra um governo despótico, quando em verdade queremos é manter a democracia para podermos evitar governos despóticos, autocráticos e ditatoriais.
O que estamos fazendo, neste momento, é lutar pela garantia do regime democrático, é dar concretude ao chamado princípio da democracia militante, que o constitucionalismo alemão nos legou na defesa contra indivíduos e grupos que querem derrubar a democracia por dentro.
Vem ele lá da Alemanha, que pagou tão caro pela leniência com falsos arautos da liberdade de expressão, os quais foram solapando sua democracia pouco a pouco, como invasores de propriedade que vão avançando sobre terreno alheio.
Parafraseando aquele quadro conhecido do pintor Magritte: “ceci n’est pas une liberté d’expression”.
Isso não é uma liberdade de expressão!
Pode até parecer para os mais incautos que Roberto Jefferson só exercia a liberdade de expressão, e que agora o STF ameaça a mim e a você, mas na democracia podemos muito, mas não tudo: não podemos defender seu fim, pois seu término nada mais é que o início do arbítrio e da ditadura, nada mais é que a suspensão do direito.
Quem ameaça nossa liberdade de expressão é Roberto Jefferson, cujos atos podem fazer o sistema ruir, não o Supremo Tribunal Federal, que tem histórico de autocontenção durante o processo de impeachment e que já aguentou as maiores críticas de parlamentares de partidos de direita e de esquerda, mas dentro de margens de respeito democrático e sem ofensa ao direito posto.
Se queremos direito e democracia, não podemos ser tolerantes e ficarmos inertes com quem quer que eles sejam aniquilados. São as regras do jogo democrático, do jogo do Estado Democrático de Direito.
Simples assim.
* Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional, doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ, procurador da Fazenda Nacional e professor.
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