Jorge ficou viúvo logo após a aposentadoria e, sem saber o que fazer, após o período de nojo, criou uma página no Facebook dedicado a defender o governo contra àqueles a quem chamava de invejosos, comunistas e sem fé.
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Durante o dia, saía às ruas com uma camiseta preta da época das eleições; a camiseta trazia estampada a imagem do mito.
À noite, depois de um lanche reforçado no fastfood próximo à sua casa, onde discutiu com outros fregueses que ali frequentavam só para provocá-lo, seguia o seu rumo.
Debaixo do chuveiro, lavava a camiseta como se fosse um troféu e a colocava para secar na varanda. Tentara comprar uma outra peça, mas ninguém vendia. Houve um dos rapazes do fastfood que, de molecagem, ficou colocando preço na camiseta até chegar a mil reais; Jorge pensou e negou-se a aceitar a proposta.
Outro dia, lendo o jornal, soube que havia sido liberada a compra, posse e porte de armas de calibres mais potentes e que, idosos, com mais de setenta anos, teriam a pena reduzida, além de serem amparados pela excludente de ilicitude ao se cometer algum assassinato sob forte emoção.
Jorge foi a uma loja verificar quanto custava a automática .40. Achou cara. O vendedor perguntou a sua idade e ele respondeu que faria 70 anos em dezembro de 2019. Foi alertado que, para receber o certificado de porte, deveria fazer e ser aprovado em curso regular de treinamento; desistiu.
Conversando com o porteiro do prédio comentou a dificuldade de adquirir uma arma. O porteiro disse-lhe que havia uma “feira do rolo”, numa cidade vizinha.
No sábado seguinte, pegou o metrô e foi até lá. Caminhou entre os objetos expostos e não viu nenhuma arma. Comeu um pastel com caldo de cana e observou o local. O vendedor, vendo a sua camiseta política comentou: – O homem é dureza, grosso e direto. Este negócio da gente poder andar armado para enfrentar a bandidagem é muito bom. O senhor tem arma? – Várias; não tenho porte e estou querendo uma .40. – O Zé “Tiro Certo” sempre tem para vender: – Ô Zé, tenho um cliente para você, gritou para um homem alto, forte e mal encarado.
O Zé perguntou qual o calibre que Jorge queria, .40, respondeu. Tenho duas, 5 paus, e aceito cartão. Jorge fechou o negócio em 3 parcelas sem juros. Zé trouxe a pistola, a mostrou discretamente envoltas em folhas de jornal e a colocou numa sacola de supermercado. Jorge pegou o metrô e voltou.
Em casa examinou a arma, as munições e viu que a identificação estava raspada. Foi para o computar verificar qual era a pena aplicada a pessoas com mais de 70 anos, na hipótese de ser pego pela polícia. Leu e releu a lei, observando que os idosos septuagenários cumpriam metade da pena prevista.
No dia seguinte, terça-feira de Carnaval, ainda de madrugada, pegou um ônibus que soube ser alvo constante de assaltos. Sentou-se no banco traseiro e colocou a arma no colo, coberta com o jornal do dia. O veículo ficou lotado logo na saída do ponto.
Na terceira parada, um rapaz entrou de arma em punho e anunciou: – Todos os celulares, joias e grana na sacola, o meu companheiro vai passar pelo corredor. Não adianta esconder, porque iremos revistar os que estão assustados. Quando o marginal chegou até Jorge foi surpreendido com a sua reação, mas insistiu com a arma voltada para o seu peito: – Olha aí véi, tua arma não serve para nada. Jorge puxou o gatilho e o disparo pipocou. Apertou de novo, e nada. O delinquente puxou uma faca, tomou a arma de Jorge, o celular, as duas alianças, a camiseta preta do mito, e cinquenta reais: – Valeu, véi doido. Vou dar uma espetada na sua coxa como lembrança da aventura. Saiu rindo.
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Até gostei do texto. Mas não compreendi o objetivo do autor. É desencorajar a população a portar armas? ou lutar contra impunidade mas não com as próprias mãos? o que seria?