Eduardo Aires*
No final de 2019, nem o mais arrojado ou irresponsável jogador ousaria colocar suas fichas em uma aposta que retratasse o atual cenário mundial. Nossa situação atual é surreal, não só pelo tumultuado ambiente político, que a muito superou a imaginação dos criadores de House of Cards ou Game of Thrones, mas, logicamente, pela situação de afastamento social.
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Era certo que acompanharíamos as Olimpíadas de Tóquio no meio deste ano, e que haverá eleições para prefeitos e vereadores em outubro. Bom, as Olimpíadas foram adiadas em razão da pandemia. Enquanto isso, a menos de cinco meses do pleito, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permanece irredutível quanto à possibilidade de adiar as eleições de outubro. Por mais otimista que seja a previsão quanto à superação da crise, é ingênuo crer que os prefeitos que pleiteiam a reeleição não estão especialmente sensíveis ao clamor da classe empresarial, desesperada pelo fechamento de seus negócios, ou dos trabalhadores com seus contratos de trabalho suspensos.
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A própria lei eleitoral impõe uma série de restrições para o administrador no período que antecede o pleito. A vedação a concessões de aumentos; o comparecimento em inaugurações de obras públicas; e a limitação dos gastos público à média dos últimos três anos são exemplos de como as ações dos administradores podem ser influenciadas pela proximidade do período eleitoral. Se o raciocínio é válido para vedar as ações que beneficiem os administradores, por que razão deveriam ser diferentes para as ações que vão na contramão da opinião pública e de eventuais apoiadores do administrador-candidato?
O STF colocou o peso da decisão sobre prefeitos e governadores. Enquanto esses estão relativamente tranquilos, pois estão em início de mandato, aqueles estão pressionados pelo iminente recall. Tangencialmente, vale mencionar que o presidente da República, Jair Bolsonaro, insiste em minimizar a pandemia, possivelmente já fazendo o cálculo eleitoral de que, eventualmente, a maior parte dos futuros prefeitos e vereadores será eleita na esteira das críticas às medidas de distanciamento social, e, por isso mesmo, automaticamente alinhados ao seu discurso. Obviamente, esse exército de vereadores e prefeitos estará ao seu lado em 2022. Afinal, nas palavras dele, “o vírus trouxe histeria” e “todos nós iremos morrer um dia”.
O adiamento das eleições de 2020 é um imperativo para que os esforços e sacrifícios já feitos pela vida de milhares de brasileiros não sejam sabotados por mero proselitismo. Esse é um falso dilema, como é falso o dilema que opõe a economia ao distanciamento social. A democracia só é completa com a participação de todos, e nossos esforços devem ser para que cheguemos nas eleições com o maior número possível de brasileiros aptos a votar. Ter 200 ou 300 mil votos a menos nas urnas é, salvo melhor juízo, mais nocivo à nossa democracia que mero adiamento do pleito.
*Presidente do SindGESTOR Goiás.