A cena é conhecida. Numa reunião com taxistas, em julho de 1992, Fernando Collor pede à população que saia às ruas no domingo seguinte usando verde e amarelo, numa manifestação contrária ao processo de impeachment que vinha sofrendo no Congresso. “Estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria”, promete. Não deu certo, e multidões saíram de casa naquele dia vestindo preto. Jair Bolsonaro fez idêntico pedido ao marcar para 25 de fevereiro um comício na Avenida Paulista. Anunciou que vai se defender das acusações de tramar um golpe no país.
O apelo de Bolsonaro, tal como no caso de Collor, ecoa desespero. Até virem a público as trocas de mensagens entre seus ex-auxiliares, militares e civis, e o vídeo da reunião no Planalto em que medidas ilegais para impedir a posse de Lula eram tratadas sem disfarce, o ex-presidente era visto como um grande cabo eleitoral da direita. Nessa condição, seria natural que essas forças assumissem a defesa de seu líder e protestassem contra a “perseguição” de que ele se diz vítima. Não é bem isso que se vê.
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Bolsonaro precisou apelar ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e ao prefeito da capital, Ricardo Nunes, para que subam no seu palanque. Ambos devem comparecer, apesar de pressões de outros aliados, preocupados com a toxidade da companhia de Bolsonaro. Tarcísio vem mantendo relação amistosa com o presidente Lula e, por isso, é atacado pelos radicais nas redes. Deve usar o evento para equilibrar o próprio jogo, já que em parte deve sua eleição a Bolsonaro. Nunes vai disputar a reeleição e talvez não possa se dar ao luxo de abrir mão do voto dos bolsonaristas. Se for, vai contrariar colaboradores e o próprio partido, o MDB.
O pastor evangélico Silas Malafaia prontificou-se a bancar os custos e está em campanha nas redes divulgando o evento. Bolsonaro pode até encher a Paulista — se conseguiram invadir o Congresso e o STF, deve haver quem se disponha a aplaudi-lo —, mas a sua capacidade de liderar definha. O fato de estar proibido de falar com Valdemar Costa Neto, presidente de seu partido, o PL — em liberdade provisória, depois de amargar duas noites na cadeia —, é mais um dos problemas.
Valdemar planejava tentar eleger ao menos mil prefeitos em outubro, cerca de 20% do total. Agora, tem de se ocupar em salvar a própria pele e em preservar o gordo caixa do PL, ameaçado com multas milionárias pelo envolvimento do partido — com dinheiro público — nas articulações golpistas. Ele via em Bolsonaro sua galinha dos ovos de ouro, passaporte para a eleição de uma bancada de deputados federais, em 2026, que lhe proporcionaria o controle de mais recursos. Com a vigilância da Polícia Federal isso vai ser bem mais difícil.
Em 1992, depois que a população vestiu preto, o fim de Collor foi selado. Bolsonaro ainda tem muita popularidade, mas os fatos revelados esvaziam seu poder de comandar a oposição a Lula. O empresariado que bancou sua aventura no poder na eleição de 2018 se retraiu e parece ter feito as pazes com o governo petista. No mês passado, por exemplo, o Índice de Confiança do Empresários Industrial (Icei) avançou 2,2 pontos, de 51,0 pontos para 53,2 pontos. Setores radicais do agro estão na mira da Polícia Federal pelo financiamento dos ataques de 8 de janeiro e, talvez, não queiram deixar digitais agora.
Bolsonaro já está inelegível até 2030, e pode continuar assim por ainda mais 23 anos, se for condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa. O capitão começou a pedir socorro.
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