A Presidência da República respondeu, ao Supremo Tribunal Federal (STF), ser contra uma ação discutida na corte que pode restringir a possibilidade de jornalistas serem julgados na esfera penal por conteúdos produzidos no âmbito da profissão.
Para o Planalto, a liberdade de expressão está estabelecida na Constituição, mas os jornalistas devem responder ao que for considerado como violação a estes mesmos valores constitucionais.
A manifestação foi enviada pela Advocacia-Geral da (AGU) nesta quinta-feira (17), e integra os autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 826.
A ação foi originalmente pedida pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em abril deste ano, contra o que interpreta ser um assédio contra a classe jornalística no país.
“Desde o início do atual governo, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública vem requisitando a abertura de inquéritos policiais para apurar publicações de jornalistas e outras manifestações públicas críticas. Em 2019 e 2020, já foram abertos 77 inquéritos”, argumentou a ABI em sua manifestação inicial.
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“Dispositivos oriundos de períodos de exceção voltam a servir de fundamento para a prática de atos lesivos aos preceitos fundamentais da liberdade de informação jornalística, da liberdade de expressão e da democracia”, argumentou a associação.
A ABI pede à corte que considere inconstitucional a possibilidade de que se abra processo, contra a publicação de notícias envolvendo agentes públicos, com base nos crimes de “calúnia” e “difamação”, previstos no Código Penal. A única exceção defendida pela associação é na hipótese de produção sistemática de fake news.
Em sua resposta, a AGU, que representa Jair Bolsonaro na corte, não enxerga conflito entre a liberdade de expressão e a previsão de crimes contra a honra.
“Caso haja colisão entre esses dois direitos fundamentais, na análise do caso concreto”, argumenta a advogada da União Daniela de Oliveira Rodrigues, que assina a peça, “poderão ser usada a ponderação, a concordância prática e a proporcionalidade, não se fazendo necessário – nem razoável – afastar a tipificação de crimes contra a honra para que a liberdade de expressão prevaleça.”
Justiça Militar
Ainda na manifestação da AGU, o governo se coloca contra a possibilidade de que civis sejam julgados pela Justiça Militar, caso o ofendido seja um militar ou a instituição. A ABI argumenta, na sua ação apresentada ao Congresso, que a possibilidade de que as instituições militares processem quem “ofenda a honra” da corte pode inibir quem queira publicar conteúdos jornalísticos sobre o tema.
“Considere-se, por exemplo, jornalista que publica matérias imputando condutas criminosas a militar na execução de operação de garantia da lei e da ordem (GLO)”, exemplifica a associação de imprensa. “Por que a eventual calúnia deveria ser caracterizada como ‘crime militar’? Observe-se que, nesse caso, as Forças Armadas se encontram, inequivocamente, cumprindo suas funções institucionais, previstas no artigo 142 da Constituição Federal – garantia da lei e da ordem. Por que a crítica aos militares mereceria tratamento diferente da crítica dirigida aos servidores públicos civis?”
A AGU novamente discorda da posição. Em seu posicionamento enviado à Suprema Corte, a assessoria jurídica do Planalto interpreta que a decisão de que tais casos fiquem sob o guarda-chuva da Justiça Militar foi propositalmente definida no momento da Assembleia Constituinte. “Nessas situações como aqui demonstrado, não há falar em ofensa ao princípio do juiz natural, vez que a Justiça Militar é seara constitucionalmente prevista para processar e julgar os crimes militares definidos em lei”, concluem
Em outro documento anexo ao processo, onde órgãos do governo apresentam argumentos e sugestões à decisão da AGU, os militares reforçam este argumento.
“Os crimes militares, praticados por civil enumerados no Código Penal Militar, objetiva [sic] sobretudo preservar as instituições militares, tanto é verdade que os delitos praticados contra militares, somente são enquadrados como crimes militares, se forem praticados contra militar em situação de atividade ou assemelhado ou contra funcionários dos Comandos Militares ou da Justiça Militar no exercício de função inerente ao seu cargo”, ponderou o Comando da Marinha.
O Exército, em sua manifestação, foi além: “De pronto, sublinha-se que o autor da inicial, indiretamente, parte do princípio que a apuração de todo e qualquer suposto crime praticado por civil na Justiça Castrense será realizada de forma parcial. Ou seja, põe em descredito o funcionamento da Justiça Militar (que é uma das mais antigas do Brasil e é composta por profissionais de ímpar capacidade técnica)”, inicia a nota técnica.
Apesar de reconhecer a liberdade de imprensa, a manifestação do Exército adverte que excessos jornalísticos podem ser punidos pela Justiça Militar. “Não se pode aceitar que ações jornalísticas, sob o prisma da liberdade de expressão e do direito à informação, acobertem eventuais excessos que possam configurar práticas criminosas, pois os princípios citados pelo autor na inicial não são absolutos”, continua. “Ademais, todos, sem exceção, devem respeitar as normas previstas na República Federativa do Brasil.”
A ADPF 826 tem relatoria do ministro Gilmar Mendes, e ainda está em fase de instrução dentro da corte, recebendo manifestações do governo e da Procuradoria-Geral da República (PGR), além de partes interessadas no tema. Ainda não há data para que a questão vá a julgamento.
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