Um grupo de amigos do jornalista Rubens Valente abriu uma campanha de arrecadação de dinheiro para ajudá-lo a pagar R$ 310 mil em indenização ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O repórter foi condenado por citar fatos da vida do ministro no livro Operação Banqueiro, que tem como personagem principal Daniel Dantas, preso em 2008 pela Operação Satiagraha da Polícia Federal.
Gilmar não é protagonista nem tema central do livro, mas alega que teve a honra atingida. A sentença, reformada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e confirmada pelo próprio STF, em fevereiro, está em fase de execução. O jornalista já pagou R$ 143 mil ao ministro e terá de desembolsar mais R$ 175 mil como devedor solidário caso a Geração Editorial, que publicou o livro, não arque com sua parte. O repórter não participou da organização da campanha, mas foi convencido por amigos a aceitar a realização da “vaquinha” em seu nome.
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A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) entrou com uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), para que avalie o caso. A entidade chama atenção para o risco que esse tipo de condenação representa para a liberdade de imprensa no Brasil.
O episódio foi noticiado nessa sexta-feira em reportagem de Vasconcelo Quadros, na Agência Pública. Em 2015, o juiz Valter André de Lima Bueno Araújo, da 15ª Vara Cível de Brasília, que analisou o mérito do processo, não encontrou nada que amparasse a demanda do ministro. Além de arquivar o caso, ele determinou que Gilmar arcasse com as custas processuais.
O ministro recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que reformou a sentença, condenando o jornalista e estipulando indenização inicial de R$ 30 mil. O caso, em seguida, foi parar no Superior Tribunal de Justiça, que deu ganho de causa a Gilmar Mendes e aumentou o valor da indenização em dez vezes.
Em agosto do ano passado, a Primeira Turma do STF convalidou a indenização ao ministro. Apenas um dos cinco integrantes da turma, Luís Roberto Barroso, não votou. Os outros presentes – Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber – seguiram o voto do relator, Alexandre de Moraes, consolidando a indenização.
Os dois tribunais superiores ainda determinaram que Rubens Valente inclua numa eventual reedição do livro, como direito de resposta, a sentença, acompanhada da transcrição integral e fiel da petição inicial interposta por Gilmar Mendes, com cerca de 200 páginas.
Em entrevista à Pública, o jornalista diz que não há mentira em nenhuma das citações ao ministro.
“Ele fala constantemente de um trecho do livro que cita suas relações com advogados do banqueiro Daniel Dantas. Eu explico, por exemplo, que a mulher do ministro trabalhava e [ainda] trabalha no escritório de um importante advogado que prestava serviços ao mesmo banqueiro. Há algo equivocado ou fantasioso nisso? Não. É tudo verdade, tanto que já foi amplamente publicado pela imprensa. E isso foi admitido também numa entrevista concedida pela própria mulher do ministro à revista piauí. E mesmo assim sou condenado.”
No livro, Valente conta os bastidores da operação deflagrada pela Polícia Federal em 2004 e que resultou na prisão de empresários, políticos e do banqueiro Daniel Dantas. Em junho de 2011, a Operação Satiagraha foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça, acolhendo parecer do Ministério Público Federal, em razão de ilegalidades. Dantas foi solto por Gilmar Mendes.
Considerado um dos principais jornalistas investigativos do Brasil, Rubens Valente já recebeu 20 prêmios nacionais e internacionais. Repórter desde 1989, Valente produziu reportagens investigativas sobre os governos de Jair Bolsonaro, Dilma Rousseff, Lula e Fernando Henrique. Ex-colunista do UOL, foi repórter especial da Folha de S.Paulo. Ele também é autor de outro livro, Os fuzis e as flechas – história de sangue e resistência indígena na ditadura militar (Companhia das Letras, 2017).
Veja a íntegra da reportagem e a entrevista de Valente na Agência Pública
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