Gervásio Santos *
Decidimos a todo tempo. Decidir faz parte das nossas vidas e são tantas as situações do dia a dia que dependem do nosso poder de decisão que, muitas vezes, nem percebemos. Incertezas, angústia ou o receio de fazer a escolha errada são sentimentos que nos atormentam, porém, se deixássemos de decidir apenas por medo das consequências, permaneceríamos parados no tempo. As mais importantes transformações da sociedade foram frutos de grandes decisões.
Um dos casos mais emblemáticos na história da humanidade sobre o ato de decidir é relatado na Bíblia, Livro 1 de Reis, capítulo 3, versículos 16 a 28. A sentença ultrapassou as barreiras do tempo e ficou conhecida até hoje como “decisão salomônica”.
Relata a Bíblia que duas mulheres foram levadas à presença do rei Salomão, ambas reclamando serem mães de bebês. Moravam juntas e, na primeira noite após o parto, morreu um dos bebês, pois a mãe deitara em cima dele. Essa mãe então trocou seu filho morto pelo que vivia, sem que sua companheira percebesse. E não houve ninguém que pudesse testemunhar o fato.
Como as duas mães reivindicavam o mesmo filho, o rei Salomão determinou que a criança fosse dividida ao meio pela espada. Então, a mãe verdadeira implorou ao rei que mantivesse o menino vivo e que ela o cedia à outra mulher. Mas esta disse que o menino não seria de nenhuma das duas e pediu que ele fosse dividido. O rei sentenciou que o bebê fosse dado à mulher que abriu mão dele para que permanecesse vivo, interpretando que esta seria a verdadeira mãe.
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O termo “decisão salomônica” é definido como uma sentença em que o julgador usou a sabedoria na hora de decidir. Fazemos isso diariamente ao usar o bom senso nas nossas escolhas.
Assim como Salomão, as escolhas que fazemos em nosso cotidiano fazem de nós juízes, pois desde a infância fomos preparados para a tarefa de decidir. Foi assim quando ainda crianças tivemos que escolher entre o certo e o errado na hora de agir, seja em casa, na escola ou mesmo numa brincadeira entre amigos.
Crescemos e continuamos sendo chamados a decidir o tempo todo. Quando adultos, ao exercermos o nosso poder de decisão, passamos a exercitar a nossa própria cidadania. É assim quando decidimos assinar ou dissolver um contrato, vender ou não um imóvel ou até mesmo ingressar com uma ação na Justiça. São inúmeras as situações que nos colocam no patamar de juízes, investidos no poder de decisão e cientes das nossas consequências.
A diferença é que o magistrado faz do seu poder de decidir a sua profissão. E não é tarefa fácil, pois, como bem sabemos, todos aqueles sentimentos que nos dominam quando nos deparamos com uma difícil situação também fazem parte da rotina de um juiz. O preparo intelectual e a dedicação à causa da Justiça é fundamental para que ele possa se desincumbir desse pesado fardo.
O que torna mais árdua essa tarefa é que toda decisão tem consequência e quanto mais difícil ela for, maior será o peso da responsabilidade sobre os ombros do juiz. Afinal, a sua decisão influenciará na vida de outras pessoas, da sociedade ou mesmo do país, como é o caso da Operação Lava Jato. E tão certo quanto a dificuldade de decidir é o fato de que a sentença agradará uns e desagradará outros, o que significa que sempre haverá quem esteja disposto a criticar o juiz.
É esta capilaridade da própria essência da profissão que faz com que a decisão tenha um peso muito grande na vida de um magistrado, que precisa sempre agir com alteridade, responsabilidade e imparcialidade, pois a sua atuação é essencial para a estabilidade quer no âmbito das relação pessoais, quer institucionais.
Foi com o propósito de promover uma reflexão sobre o que é ser juiz, seja nos tribunais, ou no dia a dia da vida em sociedade, que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou a campanha #SomosTodosJuízes. É pretensão mostrar para toda a população brasileira os desafios que o juiz enfrenta para a tomada de suas decisões.
O ato de decidir, fazer escolhas, é de todos nós enquanto partícipes do exercício da cidadania. Porém, da mesma forma que sofremos angústias, incertezas e dúvidas sobre as consequências das nossas decisões, os magistrados também são submetidos às mesmas pressões ao exercer a sua profissão. Por isso, valorizá-lo é valorizar também o nosso esforço quando temos que decidir algo. Afinal, #SomosTodosJuízes.
* Juiz de Direito da 6ª Vara Cível de São Luís (MA), coordenador da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA).
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