Na semana passada, após as derrotas sofridas no campo do Meio Ambiente na Câmara, o presidente Lula reduziu os danos afirmando que isso são consequências da política. E disse: “Começou o jogo”. Lula joga xadrez com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). E, na avaliação do cientista político Alberto Carlos de Almeida, nesse jogo de xadrez Lula de fato estaria disposto a ceder algumas peças a Lira na partida.
Impossível não lembrar, então, do célebre jogo de xadrez do cavaleiro com a morte, no maravilhoso “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman. Jogo, portanto, de alto risco, uma vez que perder a partida com a morte produz consequências trágicas.
Ceder peças no jogo é estratégia costumeira no xadrez. O jogador entrega uma torre, entrega um bispo, entrega peões, visando o resultado final. Xadrez é jogo de grande paciência. Para Alberto Carlos de Almeida, Lula estaria fazendo isso. Diante do imenso poder de comando que Arthur Lira tem no momento sobre a Câmara, Lula estaria “disposto a perder votações na Câmara”.
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O cientista político lembra que Arthur Lira é devoto fiel de Eduardo Cunha (PTB-SP). Aprendeu com Cunha, ex-presidente da Câmara, a fazer política, e talvez tenha se tornado um discípulo até mais poderoso que Cunha. Da mesma forma, Lira pressiona. Da mesma forma, ele cria dificuldades para vender facilidade. Da mesma forma, cobra um preço alto por essas soluções. Nessas circunstâncias, na análise de Alberto Carlos de Almeida, Lula talvez esteja mesmo aceitando ceder algumas peças. Para não ter que pagar o tempo todo o preço exigido por Lira.
Um preço alto para um governo escaldado pelas consequências dos escândalos anteriores, do mensalão e da Lava Jato. A cada cessão que fizer, Lira pode ir aumentando o valor do cacife. E daqui a pouco está o governo Lula enredado em novo rolo. Então, nesse xadrez Lula cede algumas peças.
Pode ter cedido no Marco do Saneamento, onde conta talvez com as posições a seu favor dos municípios menores. Onde substancialmente a derrubada dos decretos de Lula não altera o ponto chave do marco, que é a possibilidade de fazer parcerias público-privadas nas obras do setor. Pode ter cedido no PL das Fake News, um projeto que seria da sociedade, e não exatamente apenas uma demanda do governo. E pode ter cedido na retirada de poder dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Porque pode encontrar soluções internas para empoderar Marina Silva e Sonia Guajajara nas decisões mesmo com a retirada formal das atribuições pela MP da Reforma Ministerial.
Passa ainda pela análise do tabuleiro a própria constatação da correlação de forças. Nunca é demais lembrar que a sociedade brasileira elegeu um Executivo comandado por um partido de esquerda e um Legislativo conservador, de direita mesmo. E os dois têm que conviver. Assim, é difícil para Lula querer impor, querer peitar, posições que forem de encontro às majoritárias no Congresso.
O último ponto é que a convivência com Lira tem prazo marcado. O inimigo-mor do presidente da Câmara, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), repete o tempo todo que do ponto de vista eleitoral Lira foi derrotado em outubro do ano passado. Perderam as eleições os candidatos que ele apoiava à Presidência e ao governo do estado. Restou a Lira a acachapante reeleição para presidente da Câmara, cuja votação recorde contou com o apoio dos partidos do governo.
Lira deixa a presidência da Câmara no final do ano. Não pode se reeleger. Assim, o que lhe resta é aproveitar ao máximo agora os nacos de poder que puder abocanhar. Para que seu destino após a presidência da Câmara não seja simplesmente uma volta à planície.
Ao contrário de como era o jogo nos dois mandatos anteriores de Lula, Lira ganhou mais força graças às coisas que o ex-presidente Jair Bolsonaro cedeu para não ver avançarem os mais de cem pedidos de impeachment contra ele. Lira ganhou a chave do cofre orçamentário. E não a perdeu mesmo com a modificação imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quanto ao orçamento secreto. Cresceu, portanto, a sua capacidade de influência e reduziu-se o poder de barganha de Lula.
Lira tentará fazer seu sucessor na Câmara. Com o poder que tem, é provável que consiga. Mas Lula tentará de alguma forma influir nessa sucessão. De qualquer modo, quem quer que seja, não será Arthur Lira.
É, portanto, um jogo de paciência. No qual Lula cede desde que não ceda demais. Desde que não perca a rainha. Desde que ele mesmo, o rei, não fique encurralado. E desde que do outro lado Arthur Lira não guarde atrás de si uma foice escondida. Como o adversário do cavaleiro no jogo de xadrez do filme de Bergman…
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