Há quem diga que o ex-presidente Jair Bolsonaro era o “malvado favorito” do presidente Lula e do PT. E que, por seu lado, o presidente Lula e o PT eram o “malvado favorito” do ex-presidente Bolsonaro. Ainda que possa haver um exagero de simplificação nisso, é fato que, a seus tempos, ambos se beneficiaram de alguma forma dessa polarização.
Em 2018, diante de uma decepção da maioria da população a partir de certa constatação (não importa aqui discutir se acertada ou não) que identificava o PT com a corrupção, essa decepção confluiu para Bolsonaro (e, de novo, não é o caso de discutir aqui se essa constatação era acertada ou não). Em 2022, diante da constatação de que poderia haver um risco de ruptura institucional com a reeleição de Bolsonaro, a maioria confluiu para Lula, diante de uma percepção de que somente ele poderia vir a derrotar o ex-presidente.
No caso de 2022, o curso dos acontecimentos parece corroborar tais impressões. É por perceber, de fato, o risco de ruptura institucional que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou Bolsonaro inelegível. Se Lula era o único capaz de derrotar Bolsonaro, é o que as pesquisas eleitorais demonstraram o tempo todo.
O fato é que, a partir da inelegibilidade de Bolsonaro, fica cristalino que esse não será o jogo eleitoral a partir de agora. O cientista político Antônio Lavareda, presidente do instituto Ipespe, observa que a decisão do TSE deixa clara a constatação de que não haverá espaço nos próximos pleitos para a construção de um novo “candidato antissistema”, como Bolsonaro sempre se apresentou.
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Por outro lado, a ascensão de Bolsonaro aflorou no jogo político um pensamento de direita de parte da sociedade que não irá subtrair-se novamente. O que parece ficar claro é que os próximos pleitos contarão com a presença de candidatos conservadores, no campo da direita, que tentarão herdar o espaço deixado por Bolsonaro. Mas serão candidatos dispostos a submeter o aval das suas posições ideológicas dentro das regras do Estado Democrático de Direito.
O discurso do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, ao condenar Bolsonaro deixou claro não haver espaço para a ruptura institucional. Ao final do período mais longo de democracia da história republicana brasileira, após o fim da ditadura militar, a decisão transpareceu que as instituições estão fortes o suficiente para evitar tais aventuras de atalhos fora da democracia. Quem quiser disputar o apoio da sociedade terá que fazê-lo dentro das regras.
E, dentro das regras, os espaços da democracia acabam forçando uma confluência que foge dos extremos. Ainda mais em um país com uma quantidade imensa de partidos que estão longe de se moverem por razões ideológicas. Que se associam a projetos políticos de acordo com suas conveniências. Os governos vencedores são, assim, sempre uma coalizão, na qual o partido que puxa a frente precisa se aliar a outros, mais ou menos conservadores, ou mais ou menos de esquerda do que eles.
Quando Tancredo Neves fez ruir a ditadura, foi justamente montando uma coalizão. Que uniu sua posição de centro à esquerda dos partidos socialistas e comunistas de um lado e à direita com a formação do PFL como dissidência da legenda que apoiava a ditadura, o PSD. Collor quis romper essa lógica e deu com os burros n’água. Novamente uma coalizão que uniu a esquerda com o centro e parte da direita resultou no impeachment de Collor e no governo Itamar Franco. Nos governos Fernando Henrique, formou-se uma coalização de centro-direita, entre o PSDB e o PFL, principalmente. Nos governos Lula e Dilma, uma coalização de esquerda-centro, com o PT e seus aliados.
Bolsonaro desarrumou tudo isso. Ele estabeleceu um governo somente de direita. Se algum centro se atraiu a ele foi por outras conveniências que não se refletiram em seu governo. Durante a maior parte do tempo, nem partido Bolsonaro teve. Lula retorna ao poder numa coalizão de esquerda-centro que tem que lidar com um Congresso mais à direita.
Lavareda imagina que o jogo eleitoral para 2026 irá contrapor a continuação da coalizão esquerda-centro de Lula e do PT a uma coalização direita-centro. Diferente, portanto, da que caracterizou os governos de Fernando Henrique (onde um partido de centro aliou-se a um de direita). Mas uma coalizão na qual um candidato de direita terá de buscar aliados de centro.
Como Lula e o PT também terão de buscar aliados nesse mesmo centro, a ideia de uma nova eleição polarizada fica dissipada. Pode ser o fim do FlaXFlu dos últimos tempos. E o começo de um jogo com características novas.
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