Documentos entregues à CPI da Covid mostram e-mails trocados entre funcionários da Precisa Medicamentos e servidores do Ministério da Saúde. Em ao menos duas correspondências, nos dias 16 e 18 de março de 2021, informações sobre autorização para importação da vacina Covaxin foram enviadas para o endereço eletrônico pessoal do coordenador-geral de Planejamento do Ministério da Saúde, coronel Cleverson Boechat Tinoco Ponciano.
Nomeado em 3 de fevereiro para a subsecretaria de Planejamento e Orçamento da Secretaria-Executiva da pasta pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, Boechat foi copiado nas mensagens com uma conta que não pertence ao domínio do governo federal (@saude.gov.br), mas sim à sua conta pessoal, terminada em @terra.com.br.
Procurado pelo e-mail que consta do documento para saber por que não utilizou a conta oficial do governo para negociar a importação dos imunizantes, o militar não respondeu à reportagem.
O Congresso em Foco também buscou o Ministério da Saúde para saber se servidores da pasta são autorizados a usar e-mail pessoal para debater assuntos referentes ao ministério. A reportagem também questionou se temas ligados a contratos, licitações e outros assuntos de caráter público podem ser debatidos por contas pessoais. A pasta ainda não retornou.
Para o advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos, o uso de e-mail particular por servidor público é uma infração da Política Nacional de Segurança da Informação, que se aplica a todos os órgãos da administração pública federal.
No artigo terceiro deste decreto, aponta, há uma disposição que afirma ser “dever dos órgãos, das entidades e dos agentes públicos de garantir o sigilo das informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado e a inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas”.
PublicidadeAssim, diz Ronaldo Lemos, o uso de e-mail particular por servidor público é uma infração deste ato normativo. “Quando você usa e-mail privado não tem como garantir este tipo de sigilo, porque diferentemente de um e-mail do setor público, ele não é preparado para processar dados da forma adequada, de como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige e muitas vezes é fornecido por uma empresa privada, que tem uma política própria de tratamento de dados que pode não ser compatível com o que exige a Política Nacional de Segurança da Informação”, afirma.
Além disso, o funcionário público que utiliza e-mail privado também pode ser punido na esfera criminal por facilitar a exposição de informações em razão de seu cargo. “Sabemos que a informação no mundo de hoje tem valor. Da mesma forma que um funcionário público não pode usar sua conta bancária pessoal para receber recursos públicos, também não pode usar conta pessoal para receber informações públicas porque elas têm valor para a sociedade”, defende Ronaldo Lemos.
Já o jurista Antônio Rodrigo Machado não vê, necessariamente, uma infração no fato de o servidor ter recebido mensagem oficial no e-mail pessoal, mas avalia que funcionários públicos precisam cumprir seu dever e que “se existe um e-mail que está à disposição do servidor para cumprir essas tarefas, este servidor tem obrigação de utilizar este e-mail”. “Se não cumpre sua obrigação sem uma fundamentação que seja válida, ele pratica um ilícito administrativo e pode ser punido por isso”, diz Antônio Rodrigo ao Congresso em Foco.
Nesta quinta-feira (8), o jurista gravou um vídeo comentando o caso:
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A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que encontrou indício de fraude na invoice (nota fiscal) apresentada pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e pelo ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco na compra da Covaxin, segue na mesma linha de Antônio Rodrigo. “Mas obviamente que, por tudo isso que nós sabemos e até por ser um militar, é no mínimo suspeito e é mais um elemento de prova, sem dúvida nenhuma”, disse a senadora ao Congresso em Foco.
Cleverson Boechat
Hoje no Ministério da Saúde, Cleverson Boechat entrou para a reserva em 28 de fevereiro de 2013, tendo prestado serviços anteriores na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). O coronel é sócio de uma construtora desde 2009 na cidade de Itaperuna, Rio de Janeiro.
Dados do Portal da Transparência mostram que a empresa de Cleverson firmou dois contratos com o Ministério de Minas e Energia. Em 2013, a pasta pagou R$ 1.126,44 por tampões de ferro fundidos. Já em 2014, foram R$ 8.195,12 em suportes. Não há informação sobre licitação dessas compras.
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